'A luta PCD, um diálogo com Paulo Fabião' (G.J.)

A luta contra o capacitismo precisa ser prioritária em nossas fileiras e sair apenas do discurso. Não adianta escrever no estatuto do seu DCE que você apoia a causa sem fazer ações práticas no tema.

'A luta PCD, um diálogo com Paulo Fabião' (G.J.)
"Anticapacitismo sem luta de classe é teleton!” - Paulo Fabião

Por G.J. para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas recentemente estava passando pelo instagram quando vejo uma foto com a seguinte frase “Entre direita e esquerda, eu continuo sendo pessoa com deficiência”. Particularmente uma frase que não surpreende ninguém. A priori, uma mera expressão da despolitização no Brasil. O surpreendente no entanto é que esta frase é do Paulo Fabião.

Eis que eu preciso explicar quem é este camarada. Paulo Fabião é um comediante de stand up comedy, PCD e que é da esquerda radical. Não tenho certeza se ele é ou foi organizado, apenas sei, novamente devido ao instagram, que o camarada teve uma breve passagem pela UP, mas que hoje não se encontra mais nela. Em minha opinião, um dos camaradas mais presente e aprofundado na questão PCD, e que incorpora essa militância, com teor comunista em seus shows.

Dado esta apresentação da pessoa com quem dialogo, retomo aqui uma citação, ainda do post que ele fez: “Ao contrário da direita que é abertamente capacitista, a esquerda é capacitista se escorando na verdade do conceito estrutural: ‘Sou capacitista por culpa da estrutura e se a estrutura é assim a culpa não é minha, então deixa eu assim mesmo"’

Essa breve frase e outros diálogos que o Paulo vem fazendo recentemente me trazem alguns questionamentos.

Primeiramente, o quão acessível é a nossa militância? Inicio aqui uma análise da militância que enxergo em Campinas. Atualmente o RR não possui sede na cidade, mas a sede que acabou ficando com o velho PCB não tinha nenhuma acessibilidade a pessoas com dificuldade de locomoção um com deficiência visual. Para além disso, Paulo em seus apontamentos diz “acessibilidade não é só rampa” e no mesmo espírito questiono, até onde nós somos pessoas que provêm acessibilidade? Tivemos no meu núcleo uma disputa pelo DCE no qual a ordem do dia era a de panfletagem da chapa, no qual uma aproximada com autismo e dificuldade com oratória se dispôs a ajudar. Em nossa organização, não sabíamos se colocávamos a camarada para panfletar, mesmo com suas dificuldades, ou se delegávamos algum outro tipo de tarefa, e aparentemente o diálogo franco era constrangedor, como quem diz “camarada, devido a sua dificuldade com fala e convencimento, não sabemos como delegar tarefa para você. O que você pensa? Você gostaria de compor esta tarefa ou outra?”. Por fim, a camarada não foi incluída na tarefa e não continuou próxima de nós.

Na mesma visão sobre inclusão PCD em nossa militância eu questiono, nosso congresso terá essa preocupação? Não apenas referente a acessibilidade da rampa, mas e sobre a acessibilidade do debate? Quais tipos de medidas estamos tomando para pessoas com sensibilidade auditiva? Temos alguma preocupação com palmas e gritos que podem atrapalhar essas pessoas? E para pessoas surdas? Estamos fazendo esse mapeamento para tentar procurar algum militante capaz de fazer a interpretação em libras? E quanto a metodologia? Me chamou atenção em uma tarefa na FACESP que realizei recentemente um senhor reclamando que jovens e idosos tinham o mesmo tempo de fala, porém ele e seus colegas já não falavam ou intercalavam pensamentos tão rápido como o faziam em sua juventude. Era do entendimento deste senhor que os idosos tivessem mais tempo de fala para conseguirem concluir seus raciocínios da mesma forma que os mais jovens. Ampliando este entendimento, questiono, estamos pensando em adaptações metodológicas para aqueles com dificuldades com fala? Todos esses detalhes, na minha opinião, sintetizam um pouco o descontentamento de Paulo com a esquerda radical. Movido pelo ódio de classes, o camarada tentou se organizar na UP mas não achou lá um ambiente inclusivo com os PCDs, e aí questiono, estamos fazendo diferente? Se o camarada tivesse optado por compor nossas fileiras, será que não seria o logo do PCB-RR em seus instagram, seguida de uma carta de desligamento, pelos mesmos motivos expressos pelo camarada?

Após tantos questionamentos (que na verdade são muito mais perguntas retóricas do que qualquer outra coisa) me sinto na obrigação de responder algumas dizendo, sim, acredito que nosso partido carece de esforços para tentar entender internamente a questão PCD e tornar o partido mais acolhedor para essas pessoas. Me sinto contemplado por Paulo quando ele diz que a esquerda se esconde atrás da palavra “estrutural” para justificar sua falta de esforço nessas questões. Me recordo de um vídeo (não lembro qual) do Jones em que ele questiona a existência de racismo e machismo em nossas fileiras e Jones pontua algo interessante, dizendo que essas questões estruturais existem no partido também, mas que se uma mulher ou um negro não se sente mais acolhidos no partido do que em um outro ambiente qualquer, é porque o partido falhou no combate interno ao rascismo. Pois bem, novamente expandindo a lógica, uma pessoa PCD se sentiria mais incluída no partido do que em outros ambientes que negam sua acessibilidade? Acredito que não, e não é nosso direito se esconder no véu da “estrutura” para fingir que não poderíamos estar fazendo melhor.

Segundamente, o quanto nossa militância vem dando atenção para a causa PCD? Recentemente na greve da unicamp, o instituto de matemática foi ocupado, e com uma estante velha, confeccionaram uma rampa de acesso para cadeirantes na ocupação da greve. Além de ajudar na locomoção de PCDs, essa rampa funciona como instrumento de denúncia. Muitas reivindicações por acessibilidade em departamentos públicos são respondidas com “não temos verba”, “não temos estrutura”, “não temos condições”. Quando em uma semana de ocupação os alunos confeccionam uma rampa, fica claro que o problema nunca foi falta de condições. Se alunos, um mais sem grana que o outro, conseguiram se juntar para fazer uma rampa, uma faculdade não teria as condições de implementar estruturas de acesso a pessoas com deficiência, como rampas, elevadores e pisos táteis?

Ações como essa estão no alcance de nossa militância universitária mas ainda sim são deixadas de lado, e no máximo, vemos a questão PCD ser abordada nos programas de chapa para CAs e DCEs, mas raramente vemos ações práticas e públicas sobre isso. Fazemos constantes panfletagens, rodas de conversa, debate, cinedebates e atos quando o assunto são povos originários, negros, mulheres, e LGBTs, mas parece que quando o assunto são os PCDs, que tem menos holofotes, ai nós nos isentamos desse tipo de ação, se justificando por uma falta de acúmulo e dizendo que são questões estruturais, muito complexas fora do nosso alcance (novamente, fazendo coro à fala de Paulo).

Como nem só de reclamação e crítica se faz a tribuna, chegamos na parte do texto em que me sinto na obrigação de ser mais propositivo:

Defendo que seja feita uma ação coordenada das UJCs universitárias de instalação clandendista de estruturas de acessibilidade em algum lugar de seus campi, podendo ser uma rampa, a exemplo da ocupação do IMECC na Unicamp, mas também pisos táteis, instalação de dispensers com abafadores de som para aqueles que têm sensibilidade ou qualquer outra medida que faça sentido em seu contexto universitário e que seja factível em sua instalação.

Acho relevante que essa instalação seja também atrativa, devido ao simbolismo que isso trás. Uma rampa, quando pintada (por exemplo) demonstra o cuidado e esmero que os alunos tiveram em sua produção, e caso a faculdade se preste a retirá-la,  fica nítida a denúncia de que a faculdade se prestou ao serviço de reduzir a mobilidade dos alunos, que se juntaram para fazer algo não apenas pontual, mas duradouro.

Além disso, acredito que os núcleos que tenham frações na engenharia devam se esforçar em contribuir, caso solicitados, com projetos nessa área, para garantir que o projeto seja bem estruturado e realmente atenda as especificações exigidas, como inclinação de estrutura da rampa ou materiais para se instalar um piso tátil. Faço aqui a pontuação da fração Poli, no núcleo USP, e dos militantes que compõem o coletivo dínamo em campinas, como frações que podem contribuir, mas que o CN faça o mapeamento de outros núcleos, quadros, coletivos e frações que possam contribuir nesses projetos.

Acredito que estas sejam medidas práticas interessantes para que comecemos a prestar um sistemático apoio aos PCDs pelo Brasil, e trazer materialidade ao nosso discurso tornando assim nossa organização uma verdadeira apoiadora da causa PCD.

Um beijo, um cheiro, um queijo.
Se hidratem pois está calor

At.te
Camarada G.J.