‘A luta ambiental no PCB: uma emergência subestimada’ (Contribuição anônima)

E quais são as estratégias do nosso campo? Os Ecossocialistas propõe a construção do Bem Viver, Veganismo Popular e o Decrescimento. Nós não temos propostas e até ridicularizamos os Ecossocialistas sem conhecer seus aportes teóricos. Temos que superar nosso ego e ver o que podemos aprender com eles.

‘A luta ambiental no PCB: uma emergência subestimada’ (Contribuição anônima)
"Camaradas, as lutas pelos animais não humanos, pela Natureza, e pela classe trabalhadora estão interligadas. As falhas em ver isso são justamente por estarmos atrasados na Ecologia Marxista."

Contribuição anônima para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Esse texto é um diálogo com a tribuna “Por um assunto esquecido em nossas fileiras: a crise climática e o papel do partido comunista” e um balanço sobre minha experiência enquanto ex militante preocupada com a questão ambiental.


Primeiramente gostaria de elogiar a camarada que escreveu a tribuna “Por um assunto esquecido em nossas fileiras: a crise climática e o papel do partido comunista” pela coragem. E também elogiar fortemente o texto muito bem escrito, muito bem pesquisado. Minhas considerações irão mais para o campo político e estratégico da Luta Ambiental, mas sem esquecer o aporte técnico, que a camarada delineou brilhantemente. Vou destacar alguns trechos do texto da camarada para fazer apontamentos.

• Luta Ambiental, não apenas Luta Agrária

“Acredito que muito em breve deverão sair escritos de outres camaradas a respeito disso, mas essa dificuldade gravitou em torno de diversas vezes não sentir que tinha muito a acrescentar ao debate, ou não sentir que era tão qualificada ou tão assertiva quanto os mais diversos camaradas [homens] que tinham escrito tribunas para o debate anteriormente.”

Enquanto mulher, que já se sentiu inferiorizada diversas vezes por homens brancos em debates de esquerda, compreendo muito bem esses sentimentos. Mas gostaria de alertar sobre algo mais preocupante: o debate ambiental é tratado como piada dentro do PCB. Como uma camarada poderia formular sobre tal assunto, se os estudos sobre o mesmo não existem nas fileiras partidárias e coletivos.

Entendam que não falo da questão agrária, que é uma luta muito forte no movimento comunista. Mas da questão ambiental, que é ignorada. E tentarei explicar o por quê precisamos tratar da Luta Ambiental também, não apenas da Luta Agrária, e o que leva a camarada a sentir tantas dificuldades para escrever sobre o tema.

• O exemplo dos soviéticos

Na URSS soviética muitos cientistas se dedicaram a estudar ecologia, produção agrícola, e as questões ambientais. A URSS, ao contrário do que muitos do campo ambiental liberal dizem, foi a primeira a alertar sobre a o desastre climático. Foi na URSS que se criou a ciência da Climatologia Física. Tal ciência, que serve de base para as formulações do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) é considerada uma das mais difíceis da atualidade, como atesta o físico e especialista na área professor Alexandre Costa[1]. Daí vemos a complexidade e brilhantismo dos soviéticos nessa área.

Além disso, criaram áreas protegidas, as zapovedniks, desenvolveram teorias sobre a origem da vida, conceitos mais aprimoradas de ecossistemas (como a biogeocenose) e avançaram o campo da ecologia. A Conferência de Estocolmo, em 1972, foi a primeira conferência mundial sobre o clima, e foi impulsionada pelos soviéticos. Tais avanços, infelizmente, são poucos pesquisados no meio marxista, e desconhecidos dos profissionais que atuam na área ambiental. Não irei me alongar nos avanços soviéticos, mas apenas pontuar que neste campo eles estavam bastante avançados.

• O liberalismo na luta ambiental

“O problema, é que as ideias e debates que tem ganhado corpo, voz, não são nem mesmo de longe ideias que verdadeiramente objetivam acabar com a crise climática; pelo contrário!” Concordo plenamente com a camarada e, nesse sentido, responsabilizo nós comunistas e todo o campo da esquerda revolucionária (com exceção dos Ecossocialistas e alguns grupos Anarquistas). Pois, como já explicitado, ao nos negarmos aos estudos e debates, ao vermos com ingenuidade e sem seriedade o debate ambiental, permitimos o avanço da ideologia liberal. Camaradas, atualmente eu sou pesquisadora em Educação Ambiental é preocupante a hegemonia no debate dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), COPs e Agenda 2030. Inclusive entre colegas marxistas. Nossos estudos e debates sobre Ecologia Marxista são tão inócuos que há colegas no campo da esquerda revolucionária defendendo o Desenvolvimento Sustentável[2].

Não oferecemos alternativas às propostas políticas do Desenvolvimento Sustentável e Agenda 2030, que são objetivo central da questão ambiental e sustentabilidade em meios acadêmicos, ONGs, e diversas organizações de luta ambiental. É tão grave que propagandas sobre ganhar dinheiro com o mercado de carbono, “transformando a crise em oportunidade”, estão se avolumando. E os comunistas, ao não se apropriarem do debate sobre Ecologia Marxista, Ecologia Política e das contribuições de outros países socialistas (vide URSS e Cuba), simplesmente deixam um campo aberto à proliferação neoliberal.

Não é apenas no campo da Luta Agrária, mas no campo maior da Luta Ambiental, que devemos nos debruçar e focar esforços e recursos. A juventude está engajada em peso, vide o crescimento internacional do movimento Greve pelo Clima, iniciado por Greta Thunberg. Mas sem uma organização efetiva e disputa ideológica, esse potencial de luta tende cada vez mais ao campo neoliberal. Camaradas, todos sabemos: quando não há uma proposta ideológica contradominante, a ideologia basilar é a liberal. E como os militantes da causa ambiental estão tomados pelo liberalismo!

• As estratégias comunistas

“É possível identificar na literatura econômica [liberal] sobre o tema três grandes estratégias de mitigação das emissões de CO2: (i) precificação do carbono;(ii) política energética; e (iii) remoção de barreiras a mudanças comportamentais (padrões de produção e consumo) [...] Sim, essas são as três ‘grandes estratégias’ que tem guiado toda a política internacional e nacional, para tratar do assunto da emergência climática.”

E quais são as estratégias do nosso campo? Os Ecossocialistas propõe a construção do Bem Viver, Veganismo Popular e o Decrescimento. Nós não temos propostas e até ridicularizamos os Ecossocialistas sem conhecer seus aportes teóricos. Temos que superar nosso ego e ver o que podemos aprender com eles.

Falemos por exemplo do Veganismo Popular. Enquanto defendido por Ecossocialistas e grupos Anarquistas, que já superaram a crítica de que o veganismo seria elitista, tal tema nem é cogitado pelos leninistas.

No que toca ao debate sobre soberania alimentar e relações de produção que diminuam a exploração animal e humana, é comum que nosso campo fale de um trabalhador idealizado que não teria condições de entender o veganismo, mas não consideram os trabalhadores de frigoríficos que estão entre os mais precarizados, desenvolvendo doenças físicas e mentais. Como mencionar o debate da crueldade animal e preservação da Natureza se isso é considerado anti-marxista? Camaradas, as lutas pelos animais não humanos, pela Natureza, e pela classe trabalhadora estão interligadas. As falhas em ver isso são justamente por estarmos atrasados na Ecologia Marxista.

• A experiência organizativa atuando com a questão ambiental dentro do PCB

Enquanto organizada no PCB fui incentivada, com outras camaradas, a iniciar um novo local de atuação para a questão ambiental, que não teria vinculação direta com o partido. Começamos nossos trabalhos em 2020 mas assim que começou a pandemia, e pelas limitações da mesma, focamos em atividades de formação e agitação e propaganda online.

Uma questão bem sensível, complexa e extremamente importante no debate comunista é a das matrizes energéticas. Pois bem, fizemos um texto apontando problemas e vantagens da energia nuclear, trazendo suas contradições. Uma militante de outra cidade respondeu com escárnio “ecossocialismo nadinha, energia nuclear rainha” (não éramos Ecossocialistas, mas não vejo isso como ofensa). Ainda nos comentários do mesmo texto, outro militante nos mandou tirar o comunista do nome. Essa resposta é anedótica, mas evidencia a subalternação do debate ambiental, em que debates nesse tema são vistos como superados, mesmo que a organização não tenha uma linha clara sobre essa pauta.

Recentemente o PCB se viu tendo que lidar com um flagrante descentralismo por parte de sua direção quando Eduardo Serra em campanha eleitoral no último pleito burguês fez defesas e falas que em nada guardam relação com as polêmicas e tensões sobre a questão da segurança pública dentro do complexo partidário. E isto trouxe a luz diversas questões que agora estão sendo enfrentadas pela reconstrução revolucionária. Não deveria a questão ambiental ser tratada da mesma forma? Admitir que houveram vícios e contaminações liberais no PCB não é motivo de vergonha, mas sim de reflexão e reorientação da prática e da presença tanto física, quanto virtual. Não esqueçamos: nós, comunistas, devemos ser exemplo para a classe.

Camaradas, em que momento tivemos debates tão exaustivos em nossas bases para declarar, sem sombra de dúvida, que a energia nuclear é a melhor e a solução em uma revolução socialista? Sua defesa apaixonada, acrítica, negando diálogos, é simplesmente antileninista. E extrapolamos esse debate sobre veganismo e matrizes energéticas para todo o campo da questão ambiental.

Nesse local procurávamos nos formar sobre as contribuições neste campo olhando para experiências socialistas, mesmo com barreiras linguísticas e de acesso a textos. Também olhávamos para experiências populares, vide Veganismo Popular, Bem Viver, Agroecologia, Decolonialidade, e outros temas correlatos. Ainda buscávamos nos atualizar sobre o atual estado da arte da agenda hegemônica como por exemplo Desenvolvimento Sustentável, Agenda 2030, Sustentabilidade. A partir deses acúmulos levávamos nossa linha de agitação e propaganda orientada de forma geral pela linha política do PCB. Interessante notar que parte dos tensionamentos que levaram à cisão do PCB se encontra no não reconhecimento do trabalho político na internet. Nossa atuação externa em redes sociais envolvia atividades de agitação e propaganda, formações públicas, aproximação de militantes independentes à nossa linha e uma rede de contatos e contribuições com outras organizações de luta ambiental.

Porém, nenhum desses acúmulos foi levado a nossas instâncias. Na nossa célula quase metade dos militantes construíam este local de atuação, além de ter outras funções, mas a célula focava quase que totalmente apenas nos debates sobre educação (que era outro foco de atuação nosso). Mesmo assim, o CM de nossa cidade fez um balanço dizendo que nós não éramos militantes de verdade, mas um “grupo de amigos” e que estaríamos fazendo o partido perder tempo. Sim camaradas, nossa atuação foi tratada com escárnio, sem nenhum balanço ou análise séria da instância superior. Tudo isso, entre outras questões, me levou a me desligar do PCB.

Importante pontuar que os militantes deste local eram todos LGBTs e quase todas mulheres, que já tinham locais de trabalho. Houve um tensionamento forçado e sem diálogo para girar essas militantes para atuação sindical, sem nenhum preparo das mesmas ou da célula. Infelizmente penso que esses fatores somaram para o desprezo do CM por nossa atuação.

• Considerações finais e inquietações com o futuro comunista

Tudo isso podem parecer apenas desabafos de uma ex-militante magoada. Mas escrevo essa tribuna em resposta à camarada que, assim como eu, não quis colocar seu nome. Por mais que seja difícil debater dentro do PCB quando se é mulher, LGBT, racializada, a dificuldade aumenta. Essa dificuldade aumenta também quando você defende pautas de cunho ambiental, consideradas pelo partido como inferiores e desnecessárias.

Trago minha experiência no PCB com muita dor ao escrever, mas com a firmeza de que não podemos começar um trabalho novo sem ver os problemas do passado. Temo que outros militantes e outras iniciativas que surgirem no mesmo âmbito sejam boicotadas e agredidas pela organização. Elogio novamente a tribuna “Por um assunto esquecido em nossas fileiras: a crise climática e o papel do partido comunista”, que foi muito bem pesquisada e bem escrita. A crise climática é uma realidade inescapável. Ela deve se tornar mote da nossa luta. Torço pelos camaradas que ainda constroem o PCB para que levem isso a sério, torço especialmente pelos que lutam na causa ambiental, pois não vai ser fácil.

Avante!


1. Alexandre de Araújo Costa é militante socialista, formado em física com doutorado em Ciências Atmosféricas, e participa do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.

2. O Desenvolvimento Sustentável é uma política de base imperialista, que não se propões a superação do capitalismo. Para mais informações ler: “Queremos ser desenvolvidos? Uma visão sobre o desenvolvimento sustentável a partir da ecologia marxista”, disponível em https://lavrapalavra.com/2021/06/02/queremos-ser-desenvolvidos-uma-visao-sobre-o-desenvolvimento-sustentavel-a-partir-da-ecologia-marxista/