'A indispensabilidade do estudo de Clóvis Moura para a construção da Revolução Brasileira' (Camarada Pedro)

O medo da “quilombagem”, da “haitianização” e do comunismo assolam a classe dominante brasileira – que não mudou de cor, apenas de forma – desde os tempos de colônia, forçando a criação de aparatos jurídicos e militares mesmo antes da independência e criação de um Estado brasileiro.

'A indispensabilidade do estudo de Clóvis Moura para a construção da Revolução Brasileira' (Camarada Pedro)
"Todo escravizado era um quilombola em potencial. A “quilombagem” era a antítese do sistema escravista, assim como o socialismo é a antítese do capitalismo. E precisamos olhar para isso. Compreender a nossa história revolucionária nos dá guias, possibilidades táticas, estratégicas e organizativas para a reconstrução revolucionária do movimento comunista brasileiro."

Por Camarada Pedro para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo esta tribuna partindo de estudos próprios e duas palestras que assisti recentemente: o debate no lançamento do livro “Pátria Socialista ou Morte”, do camarada Jones Manoel e do camarada Gabriel Landi, e uma palestra sobre os 20 anos sem Clóvis Moura, organizado pelo programa de pós-graduação em Serviço Social da PUC-SP.

Queria primeiro saudar a iniciativa dos camaradas do PCB-RR em trazer à tona a importância de Clóvis Moura no mês da consciência negra, contudo, precisamos ter a leitura deste importante intelectual do nosso campo, que avançou nas análises da formação social do Brasil, se tornando completamente indispensável e incontornável para qualquer comunista.

O contrário de Casa-grande não é senzala, é quilombo!

Precisamos entender que a teoria social do Brasil se baseia em teses de inércia da classe trabalhadora. O mito da democracia racial, como a ideologia racial do branco, com a idealização da relação entre o Senhor e o Escravizado narra uma realidade transformando-a em totalidade. Isto é, transformam um aspecto do mundo social da escravidão em uma regra geral, que se aplicava em toda parte. A teoria marxista sobre a formação social brasileira, com figuras como Ianni, Florestan e Clóvis Moura, aponta na crítica desta corrente culturalista a contradição do sistema escravista, que é, em última instância, o processo de acumulação originária de capital e a contradição capital-trabalho.

O que é fundamental na análise da escravidão? A relação fraterna entre o Senhor e a Escravizada da casa ou o sistema econômico e a forma jurídica que transforma uma pessoa em propriedade privada e mercadoria, explorando o seu trabalho, expropriando os frutos deste trabalho escravizado? A teoria marxista nos traz o que é totalidade e o que é periférico nesta realidade social. Contudo, muitos intelectuais deste campo abordaram a forma econômica da transição do trabalho escravo para o trabalho livre – feita para isentar a classe dominante de arcar com os custos políticos e econômicos de uma real Abolição –, mas não o aspecto político da luta de classes/castas.

É nesse ponto que Clóvis Moura se destaca. Sendo um sociólogo da práxis, Clóvis Moura identifica que a dialética do senhor-escravo fica incompleta sem o quilombola. E fica incompleta pois continua em uma relação passiva da violência, onde o escravizado não se revolta. Todo escravizado era um quilombola em potencial. A “quilombagem” era a antítese do sistema escravista, assim como o socialismo é a antítese do capitalismo. E precisamos olhar para isso. Compreender a nossa história revolucionária nos dá guias, possibilidades táticas, estratégicas e organizativas para a reconstrução revolucionária do movimento comunista brasileiro.

O medo da “quilombagem”, da “haitianização” e do comunismo assolam a classe dominante brasileira – que não mudou de cor, apenas de forma – desde os tempos de colônia, forçando a criação de aparatos jurídicos e militares mesmo antes da independência e criação de um Estado brasileiro. Como diz o próprio Clóvis Moura, “o Brasil fez a independência sem a Abolição, e a Abolição sem a reforma agrária”.

Indo além da análise de Florestan Fernandes sobre a integração do negro na sociedade de classes, onde o patrono da sociologia brasileira coloca que as elites no pós-Abolição relegaram o negro a própria sorte, Clóvis Moura coloca que as elites protagonizaram a não-inserção do negro na sociedade capitalista. Desde a lei de terras, a assimilação do mulato (pardo) livre na própria sociedade escravista até a Abolição e a inserção do negro nos trabalhos braçais e no exército industrial de reserva.

A ideologia racial como forma de dominação

A burguesia brasileira, nos últimos anos, - em especial o poder midiático e o poder econômico, controlados pelas mesmas pessoas – mudou a narrativa sobre o Brasil. Passaram da abordagem de defender o mito da democracia racial para fazer uma disputa pela hegemonia dos quadros intelectuais, artísticos e políticos negros da sociedade capitalista com os movimentos sociais, e eles estão ganhando.

A nova perspectiva, muito fundada a partir da lógica neoliberal de atomização do indivíduo, parte desta cooptação destes quadros que demonstram a “eficácia” do sistema capitalista, mostrando “os pretos no poder”. Quero deixar claro de antemão que não sou adepto de nenhuma crítica reacionária ao “identitarismo” em abstrato, contudo, é necessário que tenhamos a noção de que a narrativa burguesa se centra na identidade, tirando completamente o caráter da contradição de classe intrínseca nas relações raciais do Brasil, da mesma forma como o mito da democracia racial opera. Centrar no indivíduo, nas denúncias de atitudes racistas, são importantes sim, porém há um projeto em curso de tirar da centralidade do debate que existe um CONTRADIÇÃO nesse processo.

O capitalismo se funda com base na colonização, na escravidão e no racismo. É preciso que nós falemos isso em nossas políticas de agitação e propaganda! A colonização e a escravidão dão/deram a base e a sustentação material para o capitalismo. O racismo dá a sustentação ideológica para o capitalismo. E a ideologia racial, isto é, a perspectiva ideológica racial feita pela classe dominante, se altera dada a necessidade da burguesia. Quando precisou colonizar e escravizar, houveram as teses que defenderam a inferioridade do negro. Quando precisaram integrar à força de trabalho, idealizaram e exaltaram a força física e a disciplina. Quando precisam apaziguar e defender o sistema, colocam os “pretos no topo”. Todos com o objetivo de neutralizar a nossa classe, camaradas!

A negação do trabalho

Nós não somos importantes para esse país porque trabalhamos, mas porque negamos o trabalho! Em uma perspectiva da antropologia física, a frase “o trabalho liberta” é completamente real. O trabalho que transforma o meio natural em forma de sobrevivência e adaptação do Homo sapiens. O trabalho escravizado, o valor que é criado a partir do trabalho e é expropriado pela burguesia, este trabalho temos que negar!

A forma da quilombagem é um atentado a propriedade privada escravista! Quando um escravizado foge e se aquilomba, este está atentando contra a sociedade escravista, que é fundada também em uma contradição de capital-trabalho com as particularidades óbvias de uma sociedade pré-capitalista, em um processo de acumulação originária. Quando a classe trabalhadora para a produção, está também atentando contra o sistema capitalista.

Considerações finais

É justamente neste ponto que Clóvis Moura é fundamental para o movimento de reconstrução revolucionária. Entender a totalidade do processo, entender a contradições e saber aponta-las. O que importa não é o âncora negro do jornal nacional. Não é o protagonista negro da novela das oito. O que importa é que existe uma contradição de classe nesse processo. Não existem relações raciais E relações sociais no Brasil. As relações sociais do Brasil SÃO raciais.

Portanto, camaradas, é necessário que aprofundemos no estudo da teoria da formação social brasileira que Clóvis Moura nos apresenta, sua teoria da organização revolucionária e da vida na práxis!

Nós não queremos fazer um “marxismo-leninismo negro” no Brasil. O marxismo-leninismo no Brasil é negro!

Viva Clóvis Moura!

Viva a o marxismo-leninismo!

Viva a Reconstrução Revolucionária do Movimento Comunista Brasileiro!