A guerra não noticiada de Israel contra a imprensa na Palestina
Durante essa guerra, os jornalistas foram mortos nas sedes dos jornais, nos fronts, em suas casas, em campos e nos hospitais. Não há na Palestina ocupada lugar seguro para a imprensa. Após o avanço da ofensiva para Rafah e Khan Yunis, os jornalistas ao sul já não têm refúgio para onde ir.
Por Redação | Reportagem por Tavinho
A guerra genocida na Palestina iniciada em sequência à operação Tempestade Al-Aqsa, em 7 de outubro de 2023, teve profundo impacto nos profissionais da imprensa de guerra e local que noticiam a realidade da região.
Segundo a última atualização estatística realizada pela Secretaria de Mídia do Governo em Gaza, publicada no início de abril, o número de jornalistas mortos desde o início da guerra de Israel na Palestina chega a 140. O movimento palestino de prisioneiros complementa que, das mais de 9.500 pessoas encarceradas atualmente nas prisões israelenses, 56 são jornalistas.
A maioria dos trabalhadores da imprensa foi morta dolosamente, alguns deles ameaçados pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) antes de serem executados por cobrirem o genocídio em Gaza, afirma o Sindicato dos Jornalistas Palestinos. Além de matar os representantes da mídia, Israel também recorre a outros meios para barrar a cobertura da situação local, incluindo censura, negação de vistos a profissionais estrangeiros e repetidas interrupções de serviços de internet e telecomunicações, às vezes por semanas.
As baixas de jornalistas pelas mãos das forças sionistas são majoritariamente de palestinos. Em sua última apuração, o Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) afirmou que, de 97 jornalistas e profissionais da imprensa confirmados mortos, 92 eram palestinos, 2 israelenses e 3 libaneses. Em um relatório publicado em dezembro de 2023, o CPJ elencou pela primeira vez Israel na lista de países que mais prendem jornalistas no mundo, na época com 17 detenções.
O chefe da redação de Gaza da emissora catari Al Jazeera, Wael Dahdouh, perdeu tragicamente quatro familiares, incluindo o seu filho, em ataques aéreos israelenses à Nusseirat.
“Esta é uma série de ataques direcionados contra crianças, mulheres e civis. Eu estava apenas cobrindo ataques em Yarmouk, e os ataques israelenses têm como alvo muitas áreas, incluindo Nusseirat. Tínhamos nossas dúvidas se a ocupação israelense deixaria as pessoas passarem [por Nusseirat] impunes. E, infelizmente, não foi o que aconteceu. Esta é a suposta área ‘segura’ da qual o exército da ocupação falava”, disse Dahdouh.
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) lançou um abaixo-assinado, com a participação de 80 organizações jornalísticas, pedindo que o governo israelenses assuma total responsabilidade pela segurança dos trabalhadores cobrindo a região:
“Exigimos um compromisso explícito dos israelenses de que suas forças armadas tomarão todas as medidas em seu alcance para garantir que o número vergonhoso de jornalistas mortos no conflito não suba ainda mais. Isso é inaceitável, e Israel terá que assumir as suas responsabilidades”.
Com um número de baixas de profissionais da imprensa quatro vezes maior do que nos dois anos de guerra na Ucrânia, Gaza foi o local mais letal do mundo contra jornalistas em 2023, com cerca de 75% das mortes de jornalistas no ano.
Durante toda a duração desta guerra genocida, os jornalistas foram mortos em todos os lugares: nas sedes dos jornais, nos fronts, em suas moradias, em campos de refugiados e nos hospitais. Não há na Palestina ocupada lugar seguro para os trabalhadores da imprensa. Consolidado o avanço da ofensiva sionista para Rafah e Khan Yunis, aqueles que estão ao sul do território já não têm refúgio para onde ir.
A invasão do Iraque pelas forças americanas estabeleceu uma tendência particularmente letal para profissionais da imprensa de guerra, que foi mantida pelos conflitos subsequentes. Segundo o CPJ, 283 jornalistas foram mortos na Guerra do Iraque, sendo que no primeiro mês da guerra, entre março e abril de 2003, foram 11 baixas. Comparativamente, no primeiro mês de guerra em Gaza, esse número era de 41 baixas.
Ainda a título de comparação, 63 jornalistas foram mortos em todas as duas décadas que durou a Guerra do Vietnã, e 69 foram mortos em toda a Segunda Guerra Mundial, talvez a guerra mais sangrenta da modernidade.
A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) apresentou uma denúncia ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em novembro de 2023, alegando que Israel havia perpetrado crimes de guerra contra jornalistas em Gaza.
Em abril deste ano, a RSF pediu às autoridades jordanianas para que parassem de perseguir jornalistas no exercício da profissão depois que três repórteres ficaram detidos por 10 dias, enquanto cobriam os protestos contra a guerra que ocorriam em frente à embaixada israelense em Amã. Entre os detidos estavam o correspondente do portal de notícias 7iber, Charbel al-Disi; Abdul Jabbar Zeitoun, fotógrafo independente e documentarista; e Khair Al-Jabri, afiliado ao Arabic Post.
“Usando de ataques aéreos arbitrários, as forças israelenses eliminam os jornalistas um após o outro sem restrições, enquanto seus comentários inaceitáveis carregam um aberto desprezo pelo direito internacional humanitário”, disse Jonathan Dagher, chefe da equipe de Oriente Médio da RSF.
Por “comentários inaceitáveis”, Dagher faz menção a uma série de bravatas que o governo de Israel disparou em comunicados contra a imprensa e seus profissionais. Em resposta ao assassinato do cinegrafista Samer Abu Daqqa, por exemplo, morto por um ataque de drone em 15 de dezembro enquanto cobria um atentado contra a escola Farhana, usada como abrigo para deslocados ao sul de Gaza, as IDF emitiram uma nota culpando os profissionais de mídia por estarem em uma “zona de combate ativa durante trocas de tiros”, o que apresenta “riscos inerentes”.
A Al Jazeera anunciou que pretende formalizar uma denúncia contra Israel no TPI pelo caso de Samer Abu Daqqa. O fundamento jurídico alegado está no Artigo 8º da Carta do TPI, que tipifica o “ataque, assassinato ou agressão física intencional deliberado a correspondentes de guerra ou jornalistas que trabalham em zonas de guerra ou territórios ocupados” como crime de guerra.
Na tentativa de fazer calar o que ocorre em Gaza ao resto do mundo, as IDF revelam sua face mais cruel: aquela que se volta contra a população civil na Palestina. Junto das vítimas da imprensa, são alvos da ocupação os profissionais da saúde, funcionários de organizações internacionais como as Nações Unidas, trabalhadores de serviços essenciais como distribuição de água e alimento, e também as comunidades religiosas.
Apesar dessas práticas, a realidade em Gaza e os crimes de guerra contra os povos da Palestina estão sendo expostos cada dia mais. É necessário saudar o trabalho de uma série de corajosos trabalhadores da imprensa que conseguem divulgar diariamente a situação da agressão e dos crimes sionistas no território, vencendo os esforços de perseguição deliberada que enfrentam.