A greve do Centro Paula Souza e a política de destruição do ensino

A greve em curso dos trabalhadores do CPS vem como um princípio importante de luta não só contra a política educacional do governo Tarcísio que opera os desmontes, mas também contra os rumos que estão sendo seguidos no estado em relação à política econômica.

A greve do Centro Paula Souza e a política de destruição do ensino
"Enquanto a inflação aumentou em 69,67% entre janeiro de 2014 e janeiro de 2023, o reajuste salarial conquistado pelos trabalhadores do CPS no período foi de 13,5% para administrativos e 17% para professores" (Foto: Reprodução/Sinteps) 

Por Felipe Mir e Isabella Aguera

O Centro Paula Souza é uma autarquia do estado de São Paulo responsável pela administração de 228 escolas técnicas (Etecs) e 77 faculdades de tecnologia (Fatecs) que, ao todo, oferecem no estado cerca de 307 cursos, tanto de nível técnico quanto de graduação e pós-graduação, além do ensino médio nas escolas técnicas, com cerca de 316 mil alunos matriculados nos cursos disponibilizados.

Apesar destas estatísticas, o Centro Paula Souza vem sofrendo diversos problemas, como o fechamento de cursos e salas de aulas por baixa adesão. Segundo relatos de professores presentes em audiência realizada na Alesp, em 2022, o CPS estabeleceu um critério extremamente rigoroso para a manutenção de salas de aula, do qual ditava que cursos que não atingissem 40 alunos seriam fechados. Consequentemente, turmas com 38 ou 37 alunos eram encerradas por não atingirem o critério, abandonando aos estudantes a oportunidade de uma formação técnica.

Além do encerramento das classes e dos cursos, o governo de São Paulo propõe a descentralização do ensino técnico público da gestão do CPS, autarquia experiente no oferecimento dessa modalidade, inserindo o ensino técnico em paralelo nas escolas estaduais regulares sob a administração da Secretaria Estadual de Educação, com a criação de coordenadoria própria. A política de desmonte da educação paulista compreende que, ao invés de fortalecer as Etecs, sejam criados cursos em escolas sem a estrutura necessária para o oferecimento de um ensino de qualidade, com professores que não precisam, necessariamente, ter experiência no magistério.

Configura-se como outro problema a notória a política da direção do CPS e do governo estadual de arrocho salarial, com as remunerações de professores, que chegam a ser mais baixas que o piso do magistério, criando uma situação em que professores desocupam vagas que não são novamente preenchidas.

De acordo com uma tabela disponibilizada no site do Sinteps (Sindicato dos Trabalhadores de Centro Paula Souza), enquanto a inflação aumentou em 69,67% entre janeiro de 2014 e janeiro de 2023, o reajuste salarial conquistado pelos trabalhadores do CPS no período foi de 13,5% para administrativos e 17% para professores. Demonstrando os cálculos de maneira mais nítida, um professor que recebesse o equivalente a R$2.000,00 em 2014, considerando as perdas da inflação para seu poder de compra com os ganhos dos reajustes, hoje receberia o equivalente a R$ 1733,40, ou seja, o salário real deste professor caiu. Estabelecendo o mesmo salário de exemplo para funcionários administrativos do CPS: se em 2014 esses trabalhadores recebessem R$2.000,00, fazendo as mesmas operações que realizavam anteriormente, ele estaria recebendo R$1.663,40 atualmente.

Sendo assim, estas informações demonstram que os reajustes que deveriam aumentar o salário dos trabalhadores para oferecer melhoria na qualidade de vida e combater os efeitos negativos da inflação na realidade mostraram-se ineficazes para tal, em vista que o salário dos trabalhadores dos CPS reduziu durante o período demonstrado.

Embora a entidade sindical tenha realizado tentativas de negociação, o governo estadual se manteve firme na posição de um reajuste de apenas 6% aos funcionários e não atendendo as demandas de revisão do plano de carreira, que está defasado. A progressão da carreira, por exemplo, só pode ser realizada a cada 2 anos, com um reajuste salarial de 2% a.a., sob condições específicas, como o cumprimento de horas em cursos complementares. Além disso, o trabalhador não ingressa diretamente no nível de remuneração correspondente à sua qualificação, havendo de ser promovido até a alcançar, o que ocorre a cada 6 anos.

Toda essa conjuntura é sintoma de um projeto de desmonte da educação no estado de São Paulo. Este projeto tem como influências para sua criação as demandas que vêm principalmente de grandes empresas educacionais e das grandes empresas do setor de serviços que têm crescido muito em todo o país.

Pela parte dos grandes monopólios da educação, o processo de desmonte do ensino paulista, seja ele técnico ou não, faz parte da cartilha básica de privatizações. O serviço alvo é completamente depenado ao ponto que sua oferta seja a pior possível à população e, como solução, são realizadas, em geral, duas propostas: a primeira, das parcerias público privadas e a segunda, a de privatização completa dos serviços de educação. No fim do dia, estes monopólios ganham duas vezes ao fazer parte das duas soluções e a educação deixa de ser vista como direito e se torna mercadoria de acesso apenas para quem puder pagar.

No setor terciário, no entanto, temos uma situação mais complexa. Nos últimos anos, o estado de São Paulo tem passado por um grave processo de desindustrialização, responsável por acabar com muitos empregos. Ocorre que esta desindustrialização vem a partir de um processo de mudança de foco econômico no Brasil, que deixou por completo a indústria e se focou no agronegócio e no capital financeiro, com destaque ao setor de serviços.

Apesar do Brasil nunca ter sido um país plenamente industrializado, esta mudança de enfoque foi sentida com muita força no estado de São Paulo, um ponto com grande concentração industrial em relação aos outros estados do país.

Este processo de desindustrialização e fortalecimento do setor de serviços veio com uma mudança significativa nos trabalhos procurados. Como dito uma vez por um apresentador liberal, o tripé econômico se tornou “Uber, bolo de pote e venda de cosméticos”. O fortalecimento deste setor de serviços se deu com a chegada de um novo modelo de “emprego”, sem relação empregatícia formal, com remuneração não garantida e extremamente precária e a necessidade de uma mão de obra desesperada e com baixa qualificação.

Este sintoma é muito forte quando tratamos do CPS, central na formação técnica da mão de obra industrial paulista, pois o desmonte do mesmo demonstra como o foco se alterou drasticamente e que o ensino agora não é mais uma questão importante na nova organização econômica do estado.

Neste cenário, a greve em curso dos trabalhadores do CPS vem como um princípio importante de luta não só contra a política educacional do governo Tarcísio que opera os desmontes, mas também contra os rumos que estão sendo seguidos no estado em relação à política econômica.

Por mais que represente a resistência à conjuntura atual, o movimento grevista ainda conta com uma adesão não-massiva de professores e baixa mobilização de estudantes devido a problemas de comunicação e despolitização de trabalhadores e alunos.

De maneira a fortalecer o movimento de luta dos trabalhadores da educação e garantir maiores oportunidades de vitória, é essencial que este seja construído também com o contato com os movimentos estudantis secundaristas e universitários.

Junto a isso, é importante ressaltar que o quadro geral da educação no estado sofre com a precarização do trabalho dos professores que afeta a qualidade do ensino oferecido aos estudantes. Por isso, também é favorável aos trabalhadores que haja a construção de uma ligação entre as diversas categorias de professores no futuro, que sinalize uma luta ampla contra todo o projeto de desmonte educacional, deixando de restringir as demandas somente ao CPS ou aos professores da rede estadual.

Neste momento, cabe o apoio aos trabalhadores da educação que já estão em greve e a mobilização contínua de estudantes e professores para aderirem ao movimento.

Movimentos como este não são simplesmente pautas de avanços salariais, e têm um potencial político de avanço para os mais diversos setores e para geração de mudanças mais profundas dentro da política e da economia do estado.