'A direção na loja de porcelana' (Jaqueline Tavares)
A construção da legitimidade das direções não vem apenas das bases concordarem com suas posições, mas da forma com que essas direções lidam com a divergência, com as minorias políticas, com as críticas colocadas, como elas se constroem como referência [...].
Por Jaqueline Tavares para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Desde a fusão das CRs de São Paulo e da polêmica dos delegados natos, têm se acirrado no Estado um clima de tensão entre as direções regionais e suas bases, ou ao menos parte delas. Somada a essa questão, ainda a nível nacional há o debate em torno de quais tribunas ou não devem ser publicadas, e o surgimento de espaços de tribunas paralelas que se reivindicam legítimas a partir do dito silenciamento perpetrado pela direção sobre textos não publicados. À altura que terminei essa tribuna, o debate da delegação nata se arrefeceu, mas os efeitos gerais do conjunto dessas polêmicas ainda pode ser sentido.
Se o caráter histórico e o realismo político são necessários para que não projetemos sobre o atual estado do partido, ainda nos seus primeiros passos, se nos abstemos de analisar e criticar os problemas apresentados por essas direções (e, sobretudo, pela concepção de direção que as sustenta, porque isso está longe de ser um problema de indivíduos) pode levar a naturalização desses comportamentos e dificultar essa superação. Se o tempo é necessário para que avancemos nas nossas pautas, apenas a passagem do tempo, sem crítica e autocrítica conscientes e práticas, somente leva a solidificação desses vícios como virtudes.
Partindo das polêmicas em si, os temas que têm sido colocados como elementos centrais desse atrito - pelo menos a partir da carta da UNICAMP, que considero o documento mais completo acerca dessa disputa, a despeito dos méritos ou não da posição defendida - foram a questão da fusão das CRs e as delegações natas. Esses são debates políticos que, ao meu ver, trazem questões importantes à nível regional, cujas decisões afetam a nossa organização e que tem bons argumentos para ambos os lados.
Ao mesmo tempo, porém, o não entendimento dessas questões de fundo e um não diálogo entre os pontos em debate acabam por nublar em que medida as divergências sobre a fusão das CRs (ou a maneira pela qual essa ocorreu) e a polêmica dos delegados natos se dão nos termos em que elas se apresentam explicitamente, por uma mera oposição antagonizada entre uma direção burocrática e uma base basista, ou - e o que o considero ser o ponto central - a fusão de ambos.
Pensando em um primeiro momento no debate da fusão das CRs, a maior parte dos argumentos que vi, tanto nas tribunas quanto no debate da plenária, não foram contra a fusão em si, mas contra a forma que o processo foi conduzido, de forma apressada, com pouco tempo para os organismos debaterem e sem informações suficientes para que a decisão fosse tomada. Me parece, também, que é uma decisão um pouco menos polêmica do que a dos delegados, menos criticada nas tribunas (e quando criticada, criticada mais pela forma do que pelo conteúdo) e que efetivamente foi aprovada na votação da plenária.
Aqui há um pequeno descompasso, porém. A defesa colocada nos debates da plenária e nas discussões em geral é que era uma decisão que precisava ser tomada ali porque não haveria tempo para fazê-la posteriormente, e que na medida que a proposta foi debatida e encaminhada no CR, ela surgiu em um momento em que se tornava mais e mais necessária, por isso também mais rapidez. Acontece que, naquele momento, eu havia entendido (o que pode ser um desentendimento meu, ou um problema real do esclarecimento do que se passou) de que a decisão seria tomada ali por todos ou decidida pelo CR posteriormente como seria tomada, a partir ou não da solicitação de contribuições pela base. Tendo a possibilidade de votar ali a partir de um debate coletivo concreto, e não de um potencial debate futuro que não saberíamos se aconteceria de novo, a escolha imediata sem uma nova consulta parecia a melhor opção.
Quanto à decisão em si, minha posição particularmente foi contra a fusão dos organismos, não apenas pelo método que a decisão foi tomada, mas porque considero a decisão equivocada. Como coloquei no debate à época, ela parte de uma lógica de organismos intermediários inchada, federalista, sem tarefas específicas designadas e que entende a soma dos militantes em si como instância, uma vez que a solução para os problemas organizativos e de sobrecarga da instância seriam resolvidos sobretudo pela entrada de mais gente.
Considero equivocada, ainda, porque a fusão dos organismos de direção é um passo no sentido da unificação de todas as dimensões do complexo (partido, juventude, coletivos) a nível geral, um debate que a meu ver é congressual e não deve ter suas decisões adiantadas, principalmente da forma apressada que foi. (E isso independente da posição sobre a unificação em si - eu, por exemplo, ainda não tenho posição sobre a existência da UJC e sou contra a existência de coletivos anti-opressão, mas não creio que isso me de autoridade como membra da CR de usar da minha posição para dissolver o trabalho do CFCAM, por exemplo. E não estou dizendo que essa foi a intenção da proposta de fusão, mas ela adianta passos nesse sentido de forma precipitada e com um apoio vacilante das bases).
Por último, creio que foi uma decisão equivocada que buscava resolver os problemas de sobrecarga das direções ignorando dois mecanismos que poderiam ser usados antes da unificação: a aposentadoria de militantes experientes da UJC que são também direção do partido e a saída de direções nacionais da instância regional. Ainda que não fosse resolver plenamente o problema, isso não ser uma preocupação de primeira linha da nossa proposta organizativa testemunha a reprodução do fenômeno da direção tutelar, dos quadros que precisam estar em todos os lugares, a não existência da política de formação de quadros e a sobrevivência de uma espécie de UJCismo, que só é capaz de somar suas forças a outras instâncias por uma fusão parcial, que não abre mão de seus quadros experientes para o partido e que não confia no próprio processo de renovação.
Podem colocar na minha porta a crítica de que minha posição é idealista, então me adianto ao argumento. Poderia-se dizer idealista em primeiro lugar porque a fusão aconteceu e parece que o trabalho melhorou um pouco, e isso é verdade. Mas devemos tomar cuidado para não cair em uma espécie de argumento auto-provado de que como melhorou um pouco essa é a melhor decisão; não tomamos as outras decisões, não temos como saber qual seria seu efeito. Se melhorou em alguns aspectos, de comunicação, evitar tarefas repetidas e por aí vai, se mantém como um problema com quebras, afastamentos, divisão do trabalho precária, excesso de militantes e muitos deles com pouca participação (vide o quórum do primeiro pleno unificado).
O segundo aspecto que poderia-se dizer idealista é que muitos dos problemas que aponto aqui são questões complexas que não serão resolvidas do dia para a noite. Não espero que amanhã alguém apresente uma formulação perfeita de política de formação de quadros, nem que zerem as quebras de militantes, nem que construamos com a base uma relação sem atritos (o que acho, aliás, um sintoma de alienação das bases - sempre haverá atritos, a questão é como lidar com eles).
Mas o que me salta aos olhos é como muitos aspectos da fusão - o atropelamento do debate, seja a nível da organização da própria instância e da dificuldade de perceber os problemas até que a fusão se tornasse inevitável, ou a nível de como a pauta é apresentada às bases, a justificativa do atropelo da conjuntura como atenuante do atropelo das direções sobre as bases, o reforço da soma de militantes no espaço como entendimento da construção de instância diretiva, o excesso de quadros na direção, o excesso de tarefas e instâncias que essas direções ocupam sem que fique claro seu sentido político, a ingenuidade diante do atrito que essa questão poderia gerar com as bases - são elementos que retroativamente alimentam nossa cultura política e concepção de direção para longe do que poderia nos permitir avançar nesses problemas complexos.
Todos esses problemas se alinham ao que coloquei inicialmente como concepção de direção em três aspectos principais: o que é a tarefa da direção, a temporalidade na qual pensamos a construção dos nossos trabalhos e a formação dos nossos quadros e da onde vem a legitimidade das nossas direções.
Em primeiro lugar, me parece que a direção pode ser pensada a partir de três linhas na sua tarefa de dirigir nossos trabalhos políticos entre reuniões, congressos e por aí.
A primeira é o que se convencionou a chamar de síntese. A síntese, de uma perspectiva marxista, consiste na superação das contradições colocadas no sentido de gerar uma nova contradição. Implica no entendimento das posições colocadas pelo conjunto da militância e as implicações que essas posições e suas contradições engendram nossas posições, de novo colocadas em contradição. A síntese é uma tarefa de todo coletivo, não restrita às direções, mas cabe às direções guiar o processo e colocar as balizas fundamentais levantadas pelo coletivo. Não à toa uma das características que mais destacam militantes de base e os fazem ser eleitos como direções é uma boa capacidade de síntese, de pegar no emaranhado dos nossos debates e dilemas os pontos centrais para o avanço do nosso trabalho.
Notem, camaradas, o processo de síntese não é uma operação matemática, em que se somam todas as posições e se tira uma média ponderada das opiniões, nem algo feito a partir de uma posição de neutralidade. A síntese é uma ação política, em que o entendimento das contradições e o que emerge dela toma um ou outro caminho e dependem das também - ainda que não somente - das posições daqueles que a constroem. Ou seja, o próprio sentido de síntese que uma direção coloca como parte de sua tarefa está sujeito à debate, uma vez que não é a única posição a ser tirada a partir do debate coletivo.
Isso leva a segunda linha do papel da direção: o convencimento. Já ouvi várias ocasiões que não é papel da direção convencer, o que considero uma posição equivocada justamente pelo colocado acima, a não obviedade do sentido da síntese e, principalmente, porque não entendo a tentativa de convencimento como algo problemático, mas como parte do cotidiano do debate político. Uma vez que em toda polêmica há posições divergentes e qualquer posição que for ser transformada em encaminhamento ou resolução deve ser vitoriosa numericamente sobre outras, ou ninguém nunca muda de posição sobre nada, ou o convencimento está colocado sobre a mesa.
No caso das posições polêmicas - a fusão das CRs, por exemplo - o que estava posto era um tentativa da maioria das direções de provar que esse era o melhor caminho, como uma das sínteses possíveis, e verdadeiramente não há nenhum problema nisso, desde que assumamos que é essa nossa posição e não construamos uma imagem de que as propostas da direção são uma síntese neutra desprovida de posicionamento político.
Essa me parece uma questão central quanto a um elefante na sala do último congresso da UJC, que temos esboçado em debater: a questão da posição política das direções ou o tal do “critério político” de seleção dos quadros. Esse é um debate que apareceu lateralmente na última eleição de secretariado da própria CR, mas é algo que sempre vi rondar indiretamente nos debates de nominata. Ou ele aparece de forma vaga - citado como elemento, mas frequentemente sem que se explicite o que é a posição política problemática crítica, ou como algo que de forma alguma possa ser usado como critério e que isso seria perseguição (como apareceu no debate do congresso).
Abro esse parênteses, sem esgotar o debate, pela seguinte questão: a posição política das direções afeta como elas dirigem, raramente é debatida de forma explícita e essa vagueza serve tanto para criticar camaradas que têm posições minoritárias (sem que essa posição fique claro) quanto para blindar posições camaradas com linhas políticas equivocadas como se a crítica à linha como critério de eleição de direções fosse em si uma intolerância - o que implica num isolamento da política da política. Seja como for, esse elefante na sala flutua sobre as ações de síntese e convencimento, porque é quase que um tabu dizer que nossas direções têm posições - sim, mesmo após o racha.
A última linha central do trabalho da direção é a formulação, o desenvolvimento de políticas e o fomento dessa mesma formulação pela base, instigando a participação política, auxiliando na socialização de acúmulos e por aí vai. Isso se relaciona diretamente ao segundo aspecto central desse atrito entre direção e base: a temporalidade na construção do trabalho. Vejam, camaradas, se a posição que parece dominante entre a base é que o problema do debate da fusão foi a sua pressa, se fizemos essa debate com mais tempo, recolhimento de posições, fomento a polêmica, é possível que chegássemos ao mesmo resultado com menos atritos, sendo a própria experiência de debate um espaço de formulação, avanço coletivo dos quadros e uma reforço à polêmica sobre o papel da juventude, por exemplo, que chegaria ao congresso com muito mais sustância.
Esse atrito pode parecer pequeno, pontual, e o mesmo pode ser dito inclusive sobre as outras polêmicas. Quantos dos militantes estão discordando? E acho que é uma preocupação verdadeira, dado que a posição média da militância não está refletida necessariamente nas tribunas e críticas (podemos pensar quantos dos nossos militantes escrevem, e quem escreve e porquê).
Mas ao mesmo tempo, a construção da legitimidade das direções não vem apenas das bases concordarem com suas posições, mas da forma com que essas direções lidam com a divergência, com as minorias políticas, com as críticas colocadas, como elas se constroem como referência - uma questão central também do debate sobre delegação nata, em que parece que chegamos a um consenso quanto a não necessidade, depois de algum nível de polêmica e uma correta abertura da CR em debater e repensar sua posição.
Mas voltando à questão da legitimidade das direções na chamada organização da polêmica e no debate público, cabe pensarmos que o debate não se refere apenas à legitimidade das posições colocadas, mas a forma como cada lado da disputa se porta diante das divergências. O debate não é meramente uma meritocracia argumentativa, em que a posição mais certa se garante pela sua própria virtude, mas pela capacidade de cada lado de convencer, seja pela justeza dos seus argumentos e pela postura diante da discordância.
Trago aqui o exemplo das tribunas não publicadas no Em Defesa do Comunismo, com o argumento de que essa publicação fomentaria a quebra da unidade, uma vez que são tribunas que incentivam o desligamento (no caso das cartas de desligamento). Essa decisão tem dois problemas, um ligado à própria lógica da justificativa, e um que independe da validade das justificativas.
O problema do argumento é o seguinte. Imagine que eu me desligue e não possa publicar minha carta. Eu vou lá, me desligo, digo que sou ainda parte do movimento comunista em si, quero contribuir sobre o RR e depois de sair mando uma tribuna (já que as tribunas são abertas) fazendo uma série de duras críticas a RR e afirmando que as faço pela elevação do movimento. Pelas regras atuais, essa tribuna seria publicada, e grosso modo seu conteúdo é igual a de uma carta de desligamento que traga os motivos do desligamento.
Não acho que a militância seja tão grosseiramente sugestionável ao ponto que essa mudança formal faria diferença. Ninguém se desliga motivado por críticas colocadas em uma carta de desligamento se não concordar previamente com essas críticas e essas estejam gerando um sentimento de impossibilidade de superação dentro da organização. Da mesma forma, uma crítica dura a esses mesmos aspectos pode ser o gatilho de desligamento de um militante esgotado, independente dessa estar ou não na carta de desligamento de outro.
O segundo problema é uma questão que não depende muito dos argumentos da restrição, que são as críticas na linha moral-conspirativa. São críticas vagas sobre direções silenciadoras e manipuladoras, pouco qualificadas e que se esforçam pouco para provar as próprias acusações, que são bastante sérias. São críticas, ao mesmo tempo, aparentemente difíceis de refutar, pela própria vagueza do alvo. Não as vi tanto das próprias tribunas paralelas, mas nos comentários que as apoiavam, e são bastante comuns também entre camaradas que aderiram à chamada terceira via e dizem que a RR e o CC são literalmente iguais, em um tom “se vocês soubessem, ficariam enojados”.
Isso se expressa com alguma frequência no uso de questões de opressão, seja para dar mais força ao que denuncia, seja pela invalidação da crítica de quem discorda. Vejam, camaradas, nossa organização está cheia de problemas de reprodução de opressão que pensamos em enfrentar, por negligência conveniente por parte de alguns, pelas dificuldades de propostas que as superem por parte de quem as combate, mas elas não são uma origem isolada dos nossos problemas, nem podem ser usada como cartada fácil que abstenha a argumentação sobre os temas. Vi comentários em redes sociais falando que todos criticando uma carta de desligamento que criticava o CR publicada por uma plataforma alternativa eram machistas. Digam, camaradas, seria igualmente válido eu dizer que todo mundo que discorda de mim nesse texto é machista, mesmo que os textos tenham posições divergentes? Isso não faz sentido. Ainda que questões como o machismo, por exemplo, afetem na recepção do texto, não são elemento suficiente para dizer quão certo ele está.
O ponto é que mesmo as questões de opressão sejam um problema que se emaranha a nossa vida interna, simplesmente dizer “opressões” não é um argumento. Mas, ao mesmo tempo, isso retorna ao problema da não relevância do argumento quando o debate assume um tom alarmista, porque para parte considerável da nossa militância (e dos não militantes que acompanham online nosso debate público), embrenhados num debate ainda liberal sobre opressões, chamar alguém de machista, sem prova ou justificativa, é suficiente para silenciar qualquer crítica a alguém em posição de opressão - mesmo que a crítica seja feita também por alguém oprimido. E ainda que se discorde disso, e eu discordo veementemente, ignorar essa posição média é um erro de leitura política.
Ao mesmo tempo, porém, o efeito desses elementos externos a uma argumentação coesa, como o ataque aos críticos ou o tom conspirador difícil de refutar, pode ser minimizado certas ações de quem dirige a organização dessa polêmica. Colocar claramente os critérios de publicação das tribunas, lidar com as ambiguidades e incoerências (como a questão das cartas de desligamento, por exemplo), valorizar mais a polêmica explícita, acabar com o receio de que algum texto possa “pegar mal”, e não presumir a ignorância e a capacidade da base de chegar às suas próprias conclusões.
O que todas essas situações apontam é, em primeiro lugar, uma desconfiança de uma base que sofreu e rachou em bloco em oposição a um partido que, entre outras problemas, sofria com uma crise de direção, dirigismo, reprodução de vícios e violências em uma escala que não permitia mais à disputa. Ao fazê-lo, essa base se coloca sob nova uma direção, já eleita por ela, mas em termos que ainda não estão claros quanto a sua diferença do período anterior. Essa nova direção, por outro lado, afirma veementemente não reproduzir esses problemas, ou que se o faz é porque está ainda aprendendo, e pede um voto de confiança um tanto quanto cego, sem entender que sua confiança deve ser conquistada, porque se dizer não ser mais como o PCB-CC não é mais suficiente.
Em segundo lugar, essa nova organização pretende e tem feito esforços verdadeiros para construir uma nova cultura política, uma nova lógica interna de organização, uma nova posição sobre a polêmica, uma nova concepção de direção, e o faz ainda mantendo, evidentemente, resquícios da sua configuração anterior. O que não parece estar claro ainda é que a criação de uma nova lógica interna não vai ser dar meramente pela criação de novas ferramentas que são sim importantes (como as tribunas, por exemplo), mas pela destruição premeditada da antiga lógica, pelo fim da direções tutelares, dos quadros excepcionais, da criação de falsas urgências que justificam decisões apressadas, das manobras (ainda que não intencionais) e dos debates semi-abertos.
Em terceiro lugar, pela permanência de uma ingenuidade das direções que colocam seu próprio processo de aprendizado como auto evidente. Sim, camaradas, erramos e vamos errar como direção, estamos aprendendo, estamos sofrendo também, algo que por vezes as bases da organização não parecem plenamente compreender. Mas se por vezes não o compreendem é porque não estamos sendo abertos quanto a essas debilidades, porque reproduzimos a imagem de grandes quadros como sujeitos encastelados que sabem, que vão aparecer para salvar a todos. E porquê, sobretudo, a posição de direção traz uma possibilidade de intervenção, de acesso a informações e de responsabilidades maior do que as bases - e acredito que ainda terão mesmo depois que avançarmos na construção do centralismo democrático, mas com um novo sentido.
Estamos, camaradas, em um momento chave da reorganização do movimento comunista. Não iremos resolver todos nossos problemas em um congresso, tampouco fundar uma organização revolucionária amanhã, nem acredito que um partido revolucionário maduro não terá disputas, esgarçamentos, problemas. Mas o sentido dado a essas divergências, e a atenção para que não surja, de novo e novamente, problemas que o conjunto da organização, ao menos na teoria, já entende como inaceitáveis.
Esse não é um momento a ser tratado de forma leviana. Sobretudo quanto à construção dos dispositivos de democracia interna e crítica pública, de elevação da consciência da classe, de depuração das nossas fileiras, nossa atuação não pode ser cínica ou ingênua.
Se falharmos repetidamente na condução desse processo a ponto de esgarçados a confiança, a camaradagem, de quebrarmos na militância e afastarmos aqueles que nos viam como uma nova esperança, se nos queimarmos pelos sucessivos e auto condescendentes erros, pouco importa se isso foi intencional ou não. A porcelana não se cola sozinha porque quem a derrubou a fez sem intenção. O que me parece é que tem ocorrido uma série de pequenos deslizes que não deveriam estar mais ocorrendo, que mesmo sendo não intencionais, por displicência ou sobrecarga, devem ser criticados, evitados e, sobretudo, explicitados para nossa militância como tendo tal original. É a nossa capacidade de autocrítica, de aprender com nossos erros e o nosso senso de responsabilidade que vai fazer com que nossos diferenciais deixem de ser retórica auto proclamatória e se tornem práxis revolucionária. Pode ser que esses erros sejam pequenos e daqui alguns meses nada disso faça muita diferença, mas não me parece razoável naturalizarmos uma postura estabanada por parte das direções.
Alguns comentários finais, camaradas: sei que esse não é um debate simples e que os problemas aqui apresentados não são apenas má vontade ou má intenção, e que não completamos ainda seis meses do racha, sendo tudo muito recente. Sei também que há camaradas na base que se aproveitam de situações polêmicas para causar alvoroço e se promover através do disputismo. Sei ainda que as questões aqui apresentadas têm ligações profundas com uma série de pautas em disputa nesse congresso. Como disse, porém, entender os problemas como problemas é parte da sua superação.