A Contrarreforma Trabalhista e o julgamento sobre trabalho intermitente no STF
Desde que introduziu um novo capítulo de retrocesso nas relações de trabalho no Brasil, a contrarreforma é alvo de disputas na justiça pela Fenepospetro, Fenatel e CNTI, que acusam a inconstitucionalidade do trabalho intermitente.
Por Redação
A Contrarreforma Trabalhista sancionada em 2017 com a retórica de modernização e flexibilidade das relações contratuais alterou profundamente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entre as mudanças estão a prevalência das negociações individuais sobre as normas trabalhistas, a ampliação da terceirização, a restrição do acesso à Justiça do Trabalho e a regulamentação do trabalho intermitente, este último sendo alvo de ações recentes no judiciário brasileiro.
Desde sua aprovação, os empregadores ganharam maior liberdade para ajustar contratos, diminuir salários e prolongar jornadas de trabalho, enquanto os sindicatos viram seu papel enfraquecido com a contribuição sindical facultativa. Contrariando as promessas de redução da informalidade e do desemprego, a taxa de desemprego não apenas permaneceu elevada, como também aumentou a informalidade no mercado de trabalho. A taxa de desemprego de 2017 era de 11,8%, e manteve-se em torno de 12,4% um ano depois. E se apenas 8 anos depois a taxa de desemprego fixou-se em 7,9%, o número de trabalhadores de carteira assinada hoje é menor que o número de trabalhadores na informalidade.
Se em razão da criação do Microempreendedor Individual (MEI) em 2008 a informalidade no país vinha em decréscimo, a Contrarreforma legalizou vínculos de trabalho anteriormente ilegais, como o trabalho autônomo com subordinação. Aquilo que garantia que o trabalhador liberal recebesse aposentadoria, fomentou a demissão em massa e deu lugar ao prestador de serviços que trabalha na prática como funcionário de uma empresa, mas com a perda de seguro desemprego e assistência previdenciária (seguro acidente, auxílio doença e aposentadoria, 13º etc).
O debate internacional sobre o tema
Essa modalidade de trabalho caracteriza-se pela prestação de serviços de forma esporádica e não contínua, em que trabalha-se em períodos específicos e recebe apenas pelo tempo trabalhado. A categoria permite que empresas ajustem a força de trabalho conforme sua demanda, o que resulta em insegurança econômica.
O trabalho intermitente, adotado em países como Reino Unido, Itália e Espanha, foi a inspiração para a reforma trabalhista brasileira de 2017. No Reino Unido, o modelo de "contrato zero hora" permite a contratação sem garantia de prestação de serviços ou salário mínimo, o que gerou forte precarização sobretudo nas camadas menores de 25 e maiores de 65 anos, onde concentram-se os trabalhadores neste regime. Na Itália, o "lavoro a chiamata" passou a oferecer compensações mínimas para o trabalho antes informal, enquanto na Espanha o "contrato fixo-descontínuo" também seguiu essa linha de flexibilização e resultou no aumento das desigualdades sociais e o crescimento das relações de trabalho informais. Recentemente, a Espanha decidiu extingui-lo em 2022, reconhecendo os danos que causado aos trabalhadores, reafirmando a necessidade de garantir condições de trabalho mais justas e dignas. Ao importar esta lógica, o Brasil permitiu contratações com renda média abaixo de 1 salário-mínimo e já cresce em 116% o número de denúncias sobre essa modalidade contratual no país.
O trabalho intermitente no judiciário brasileiro
Três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) foram ajuizadas para contestar a validade do contrato intermitente. A ADI 5.826, movida pela Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo (Fenepospetro), a ADI 5.829, da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas (Fenattel), e a ADI 6.154, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), abordam o impacto da intermitência em suas respectivas categorias e argumentam a inconstitucionalidade da nova forma de contrato em geral.
Em setembro de 2024, o STF retomou a análise das ADIs, mas o julgamento foi suspenso após o Ministro Cristiano Zanin pedir vistas no dia 11. Até o momento, dos 11 ministros, 4 se manifestaram a favor da manutenção das regras introduzidas pela contrarreforma, enquanto 2 expressaram reservas quanto à legalidade da modalidade intermitente.
O Ministro Edson Fachin, relator das ADIs, declarou a inconstitucionalidade dos artigos 443, caput e §3º; 452-A, §§1º ao 9º; e 611-A, VIII, parte final, da CLT, considerando que essas normas violam princípios constitucionais nos termos acima. A ministra Rosa Weber acompanhou o voto de Fachin, no que argumenta que a Lei nº 13.467/2017, que introduziu essa modalidade, falhou em cumprir o objetivo de ampliar o número de empregados e representa uma significativa redução dos direitos trabalhistas. O Ministro Luiz Fux, por sua vez, reconheceu uma omissão inconstitucional na legislação, sugerindo que o Congresso Nacional deveria suprir essa omissão em até 18 meses, sem invalidar diretamente os dispositivos impugnados. O Ministro Nunes Marques divergiu do relator, defendendo a constitucionalidade dos dispositivos questionados. Segundo Nunes Marques, a flexibilização e o modelo intermitente contribuem para a redução do desemprego, permitindo adaptações ao fluxo de demanda e oferecendo aos trabalhadores a possibilidade de negociar jornadas mais vantajosas. O Ministro André Mendonça, como os três últimos, votou pela improcedência das três ações diretas (ADI nº 5.826, ADI nº 5.829 e ADI nº 6.154). Mendonça argumentou que a modalidade de contrato intermitente, conforme delineada pela Lei 13.467/2017, está em conformidade com os parâmetros constitucionais, não vislumbrando qualquer desconformidade com a Constituição Federal.
A decisão do STF, ainda que incompleta, expõe as profundas divisões internas sobre a adequação das novas normas ao ordenamento constitucional e revela sobretudo os limites da luta jurídica frente à predominância de interesses burgueses no Brasil. O Supremo brasileiro empenha-se em manter a ordem econômica, ao que não importa o potencial de precarização do trabalho necessário. Nas defesas dos votos, a posição de Nunes Marques é a mais declaradamente ideológica e nega o crescimento da informalidade no Brasil e as reações internacionais negativas. Há, no sistema judiciário, uma crise sistêmica, ao que será necessário a implementação de eleições periódicas e mandatos revogáveis para os tribunais, onde juízes seriam eleitos pelo povo, permitindo responsabilização e pressão popular sobre suas decisões.
O Supremo brasileiro atua como salvaguarda da institucionalidade burguesa. Já não é fator necessário a eleição de um governo abertamente reacionário para a manutenção das contrarreformas. O tribunal toma para si a decisão de promover a flexibilização e a precarização do trabalho, e atua como um bastião das relações capitalistas, defendendo os interesses da burguesia em detrimento dos direitos dos trabalhadores. A luta jurídica, muitas vezes, parece limitada quando confrontada com a vitória política da classe burguesa. A decisão final do STF sobre as ADIs não pode ser vista como uma solução para a crise das condições de trabalho; ela reflete, antes, a consolidação do poder político e econômico da burguesia em todas as cadeiras do Estado capitalista e a necessidade de mudança estrutural.