'A contradição do Racismo em nossas fileiras. O que é o que é?' (Carlos Chaves)

O estabelecimento da ideia de Racismo como estrutural para um partido comunista revolucionário em Brasil pode nos fazer avançar nas questões internas da própria organização sobre alocação de recursos financeiros, priorização de trabalhos de formação, atuações políticas, giros, tarefas, etc.

'A contradição do Racismo em nossas fileiras. O que é o que é?' (Carlos Chaves)
"O que se apresenta a partir da naturalização é a própria consolidação da branquitude mas a pergunta que fica é como acabar com o Racismo estrutural? A partir da luta contra condições de privilégio da branquitude nas dimensões que constitui o que é estrutural, ou seja, a economia, a política e a subjetividade."

Por Carlos Chaves para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Essa tribuna não é sobre diversos casos de Racismo que podem ser identificados em nossas fileiras ou em outras organizações e partidos, quero tentar dar um próximo passo nessa discussão (espero conseguir, e caso não consiga que outros possam), para além da identificação dos casos em si, apresentando o que avalio ser erros políticos na própria dinâmica organizativa de um partido revolucionário no Brasil relacionados ao Racismo que se expressam de várias formas.

A identificação dos casos e suas particularidades é muito importante, inclusive para superá-los e evitá-los, acredito que desde a “tokenização” até isolamento geográfico passando pelo trato entre camaradas a porque uma certa postura é lida como agressiva enquanto outra é colocada como assertiva, ao isolamento de determinados camaradas e pautas se relacionam (em maior ou menor medida) ao racismo, por isso, ao mesmo tempo que não vou tratar desses casos em particular, faço um apelo para que essa abordagem também seja feita de forma positiva, visando sua superação e não sempre quando já não há mais perspectivas para es militantes envolvidos na organização aí a merda é jogada no ventilador.

Um outro ponto que não vou tratar com profundidade mas é de extrema importância é da própria formação social brasileira. Minha avaliação é que nós não temos nos formado de forma consequente nesse tópico, muito mais assumindo de maneira enciclopédica os debates que certos autores fazem e criando uma colcha de retalhos com formulações que não necessariamente partem dos mesmos pressupostos e chegam aos mesmos caminhos para a Revolução. Nossa teoria precisa ser debatida para ser viva! Não será possível me aprofundar nesse debate, em partes por falta de tempo, em partes por limitações formativas mesmo mas vejo que em nosso partido (seja lá qual for seu nome) há uma mistura difusa de formas de caracterizar a formação social brasileira que busca triturar e condensar algumas formulações de Lenin, Caio Prado Jr. Clóvis Moura e Mariani, em um mesmo bloco monolítico como se todas as formulações positivas desses autores pudessem se complementar mesmo que a análise concreta deles estivessem tratando de coisas distintas e por aí vai… Penso que um exercício muito mais útil seria seguir compreendendo e utilizando esses autores mas conseguindo identificar suas divergências e nuances e principalmente, conseguindo não só nos formarmos lendo esses textos mas utilizando o que há de mais fundamental deles como ferramenta para nossas formulações para a transformação social e Revolução.

Vamos à tribuna…

O DEBATE TEÓRICO-POLÍTICO DA DÉCADA SOBRE A FORMAÇÃO SOCIAL NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS: RACISMO INSTITUCIONAL OU RACISMO ESTRUTURAL

Nos últimos anos mas principalmente desde o ano passado, com a nomeação de Silvio Almeida como ministro dos direitos humanos, um tema voltou a ser muito discutido, seja em espaços políticos seja na imprensa e/ou movimentos sociais, o tema da caracterização do Racismo, onde ganha destaque a ideia de “Racismo Estrutural”.

Coloco que esse é o debate da década sobre a formação social do Brasil porque realmente nenhum outro mobilizou tantas personalidades públicas e instituições, ao mesmo tempo que nenhum outro parece ter tanta permeabilidade em todo o Brasil, independente da Região. Por exemplo, a caracterização do imperialismo, por mais que seja muito cara para nós, comunistas, pouco tem impactado as discussões mais gerais da classe trabalhadora.

Polêmica pública no lustre do castelo… O Racismo é Estrutural ou Institucional?

Um primeiro ponto que quero destacar é em como devemos, nós comunistas, apostar cada vez mais na polêmica pública, pois mesmo a burguesia tendo tanto poder não abre mão de tal ferramenta quando a mínima questão foge de suas garras. Ano passado, após a nomeação de Silvio Almeida e um aumento considerável na aceitação da categoria “Racismo estrutural” como aquela que mais descreve o tipo de relação ocorrida no Brasil, a Folha de São Paulo publica, com ampla divulgação, o texto “Aceito a expressão, mas racismo não é estrutural no Brasil, diz Muniz Sodré”, segundo o sociólogo, falta “base científica” para a categoria de racismo estrutural e em seu livro, que é o que a matéria visa divulgar ele busca apresentar outras formas de abordar a questão.

Não estou dizendo nem que Silvio Almeida ou Muniz Sodré sejam intelectuais da burguesia, estou dizendo que a questão racial está sendo tensionada no Brasil a tal ponto que a burguesia, expressa nesse caso pela Folha de São Paulo (mas poderíamos apontar o Itaú, Natura, Globo, etc) tem tratado sobre a questão, apresentado suas alternativas e mesmo abrindo espaço para a polêmica aberta entre os autores acerca das categorias.

Antes de continuar, é importante apresentar “O que é Racismo Estrutural ?”, além de título do livro de Silvio Almeida há esse video do próprio, de 2016, explicando no canal da Boitempo a categoria, indico que o video seja assistindo antes de prosseguir a leitura da tribuna pois vou contrapôr seu conteúdo com o conteúdo da matéria da Folha. Para um aprofundamento teórico sobre o tema seria necessário ler os dois livros, coisa que não fiz ainda mas segue resumos da Amazon (por considerar que é o resultado mais relevante comercialmente ao tratar dos livros):

1. Silvio Almeida. O que é Racismo Estrutural, 2018. Editora Letramento.

O que é racismo estrutural? traz reflexões inovadoras acerca da construção das noções de raça e racismo; depois de fornecer argumentos e tecnologias para a escravidão e o colonialismo, tais conceitos desafiam as sociedades contemporâneas como o Brasil, onde crescem anseios por igualdade racial; a indagação central da obra exige resposta complexa, englobando aspectos históricos, políticos, sociais, jurídicos, institucionais; o autor nos convida à sua demonstração, tecida em análises feitas à luz da filosofia, ciência política, economia e teoria do direito; com escrita sedutora e admirável erudição, Silvio Almeida finca o produtivo conceito de racismo estrutural; seu livro constitui-se, desde já, em importante referência para a educação antirracista, calcada nos valores da igualdade, liberdade e direito à vida. Ligia Fonseca Ferreira Professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

2.Muniz Sodré. O fascismo da cor: uma radiografia do racismo nacional. 2023, Editora Vozes

Em meio ao turbilhão de mudanças do mundo global, o racismo permanece intacto e culturalmente irresolúvel. A sua aparente universalização não deixa evidente que são diversos os seus modos de incidência nas diferentes regiões do mundo. O foco de O fascismo da cor é o racismo brasileiro pós-abolicionista, que Muniz Sodré faz coincidir com a emergência do fascismo europeu e com a vigência de uma "forma social escravista" nativa, em que status e brancura tomam o lugar das antigas formas de segregação. Com nova perspectiva dentro da luta antirracista, este é um livro de leitura incontornável.

O QUE É RACISMO ESTRUTURAL?

Segundo Silvio Almeida o racismo não deve ser pensado apenas como as expressões de violência direta (como agressões, ofensas, impedimentos de participação em determinados espaços, etc.), todos esses fatores discriminatórios mais explícitos que compõem o racismo mas não o explicam completamente por serem conjunturais, ou seja, podem ser tratados como uma anormalidade.

O Racismo Estrutural, por outro lado, compreende o racismo como constituinte da normalidade, “o Racismo é uma forma de racionalidade, é uma forma de normalização, de compreensão das relações, o racismo constitui não só as ações conscientes mas constitui também aquela porção que nós chamamos de inconsciente”. Assim, o racismo é um modo de estrutura normal, de funcionamento da vida cotidiana.

O debate que Silvio apresenta é que o Racismo não deve ser tratado a partir da patologização, e sim de Economia, Política e Subjetividade que constituem o que o autor chama de “estrutural” por serem os pontos centrais de constrangimento des indivíduos em sua dinâmica cotidiana de vida.

No video Silvio dá alguns exemplos, como o fato do sistema tributário brasileiro favorecer empresários ricos e brancos e ser muito mais oneroso para mulheres negras, não porque nos termos da lei, explicitamente, há algo escrito “mulheres negras devem pagar mais impostos” mas que ao funcionar normalmente, de acordo com as normas estabelecidas o sistema tributário brasileiro reproduz as normas de desigualdade presentes na sociedade, logo as mulheres negras são prejudicadas por serem aquelas que ganham menos e o sistema ser feito para cobrar mais de quem menos recebe. Assim, se estabelece uma relação estrutural entre menor renda, menor representatividade política, etc. Além disso, um dos pontos que caracterizam o racismo como estrutural é a própria naturalização de sua existência, “mesmo entre as pessoas que não aceitam esse tipo de violência não há qualquer tipo de ação efetiva para se voltar contra isso”, ou seja, naturalizamos a violência, e morte de pessoas negras. Também há o fato de que mais da metade da população brasileira é negra mas nas posições de poder não existe nada sequer perto dessa proporção (inclusive nos partidos políticos, o nosso inclusive).

O que se apresenta a partir da naturalização é a própria consolidação da branquitude mas a pergunta que fica é como acabar com o Racismo estrutural? A partir da luta contra condições de privilégio da branquitude nas dimensões que constitui o que é estrutural, ou seja, a economia, a política e a subjetividade.

O QUE É O “FASCISMO DE COR”?

O primeiro ponto para a categorização utilizada por Sodré é a ideia de ruptura nas relações sociais brasileiras, onde “passadas a Abolição e a Proclamação da República, uma outra forma de racismo se estabeleceu no país”, ou seja, não é possível executar uma relação direta entre o período da escravidão e o que acontece atualmente, tal fator é central na ideia de Racismo estrutural, dado que as estruturas econômicas, políticas e subjetivas no Brasil não passaram por rupturas drásticas nem no pós abolição, nem com a Proclamação da República (a meu ver, mas entendo ser discutível).

Para Sodré, o racismo nesse novo período tem muito mais influência do fascismo ocorrido na Europa, com a eugenia, pogroms, etc. E em seu livro, está debatendo diretamente com Silvio Almeida (não mais contra a ideia de patologização do racismo mas contra a categoria de racismo estrutural),  "Se fosse estrutural, já teria sido derrotado. O movimento negro é o movimento mais antigo da sociedade brasileira", diz o autor, que propõe no lugar o conceito de "forma social escravista".

Segundo Sodré:

“Antes da Abolição, não era necessário um racismo atuante. Quatro quintos da população que trabalhavam como escravos eram torturados no Império de dom Pedro 2º. Mesmo assim, houve naquele momento uma classe média negra, uma intelectualidade negra que emergiu. Grandes figuras da literatura e das artes eram negras.

O primeiro embaixador plenipotenciário do Brasil na Inglaterra, Francisco Jê Acaiaba Montezuma, era um negão baiano muito brilhante. Os artistas negros de Pernambuco formavam uma classe média com quase 2.000 pessoas. Só ouvimos falar deles hoje depois de livros focados nisso porque, como dizia Mário de Andrade, foi uma aurora que não deu dia. Quando veio a Abolição, se esqueceu de tudo isso. A cultura negra passou a ser a cultura popular, reconhecida muito tempo depois.”

Sodré prossegue afirmando que seu incômodo com o uso de “estrutura” é que “o conceito pressupõe uma totalidade fechada de elementos interdependentes. [...] Se dissermos que o racismo é uma estrutura, temos que mostrar qual é a interdependência dos elementos.”, que se o racismo fosse estrutural deveria de ter uma forma(escrita ou de costumes) facilmente reconhecida por todos, e que “a discriminação racial no Brasil não é reconhecida por ninguém. Nenhum Estado ou governante se diz racista. Às vezes, os racistas mais atrozes diziam que não eram racistas.”, assim, o racismo teria sido estrutural nos Estados Unidos, na África do Sul (países com regimes de segregação racial / apartheid formais).

O racismo é institucional e intersubjetivo.

Para Sodré, não devemos falar de estruturas mas sim compreender que o racismo é institucional e intersubjetivo, ou seja, é necessário a disputa da cultura para a sua superação (chegando a apresentar a capoeira e o candomblé como alternativas), quando perguntado sobre a questão tributária afetar mais mulheres negras (mesma questão exposta no video de Silvio), apresenta que são os pobres que mais pagam impostos, então vão ter claros e escuros sofrendo com isso.

Para poder traçar esse caminho, o autor explicita a diferenciação entre sociedade e forma social.

A sociedade implica uma estrutura: ela tem uma interconexão de seus elementos, ou seja, o modo de produção está articulado com o sistema jurídico, com a política... Toda a visão marxista sobre a sociedade, para mim, é coerente. Nesse ponto, sou bem marxista.

Mas a forma social é outra coisa. Ela é uma imagem que a sociedade projeta de si mesma, que ela tem ou quer ter de si. Isso nós temos individualmente: você tem uma imagem de si mesmo e quer que os outros reconheçam você como uma imagem válida.

Isso também existe em termos coletivos. A imagem que a sociedade tem de si é gerida pelo Estado e pelas classes dirigentes. Ela pode ser oficial, mas também subterrânea, uma imagem oculta que existe e lhe determina. Isso eu chamei de forma social escravista.

As classes dirigentes querem se ver como brancas, europeias e cristãs, sem ter nada a ver com negros.

Esse querer ver-se é a forma social. Dentro dessa imagem, se desenvolvem os mecanismos linguísticos, psicossociais, de subjetividade e de comunicação. Portanto, a aparência cria formas.

Sobre a relação do Racismo Institucional e Intersubjetivo com o Fascismo, é apresentada a questão do “dogmatismo”, que a partir do fascismo o racismo brasileiro incorpora elementos do dogma eugenista

Isso não coincide, em termos de data, só com o período pós-Abolição, mas, nesse momento no mundo, o eugenismo faz parte de uma atmosfera fascista. O que faz com que o fascismo se expanda para Portugal, Espanha e outros países é a questão da preservação do cristianismo e da pureza do homem europeu. É o nacionalismo extremado do homem branco.

O racismo ocidental vem da Igreja Católica e é primeiro antissemita. O modelo do racismo [contra os negros] é o antissemitismo: as primeiras vítimas são os judeus, e os primeiros carrascos são os padres. Depois, isso se transfere para o negro. Os escritos do fascismo incorporam a ideia de eugenia e isso chega aqui muito tempo depois da Abolição, através de igrejas, mas principalmente por meio de intelectuais —Monteiro Lobato é o grande modelo.

O fascismo é o espírito da época do racismo brasileiro. É dele que conflui, para as classes dirigentes brasileiras, a discriminação do negro, que já não era mais jurídica nem política.

RACISMO INSTITUCIONAL OU RACISMO ESTRUTURAL E AS FILEIRAS DE UM PARTIDO COMUNISTA EM BRASIL

Apresentada a polêmica entre os dois autores e categorização tanto do Racismo quanto da formação social brasileira, gostaria de questionar aos camaradas, qual tipo de perspectiva vamos assumir até as últimas consequências? O que temos feito até então para avançar nessa compreensão?

Em minha visão nós temos uma postura muito próxima da de Muniz Sodré, onde “do ponto de vista político, é bom, é fácil. Dá um ancoramento para a ideia de racismo aqui no Brasil” mas efetivamente não temos dedicado nossos esforços para encarar a questão racial no Brasil como a estrutura que assumimos que ela é, assim, partimos para simples apontamentos culturais e estéticos, como se os problemas do partido, no que se refere a baixa inserção e desenvolvimento de pessoas racializadas em nossa organização fosse fruto apenas da subjetividade ou cultura partidária que se distancia daquilo que pessoas racializadas esperam.

Ao não dar consequência para a linha política que nós mesmos temos nos aproximado cada vez mais, que compreende o Racismo como estrutural, acabamos caindo na outra perspectiva, de apontar os aspectos institucionais do racismo em diversos espaços. Não é atoa que uma parcela imensa de nossa militância apenas se apropriou da pauta racial referente à aprovação ou não de cotas em universidades. Tal política é muito importante, mas devemos reconhecer que é assumir o racismo enquanto institucional, que basta uma forma de ingresso de pessoas racializadas nos espaços de poder/produção que a questão poderá ser sanada.

Ao não buscarmos, a cada nota política, intervenção pública, disputa de sindicato, centro acadêmico e na própria construção desse partido apresentar como se relacionam as estruturas do capital com a estrutura do racismo no Brasil estamos nos aproximando da perspectiva amplamente apresentada pela Folha de São Paulo, de que o Racismo é Institucional e Intersubjetivo, uma mímese do fascismo.

Consequências políticas - o caso do PSOL

A questão do Racismo é determinante para compreender o Brasil, em sua história, luta de classes, estrutura institucional e jurídica… Os diversos partidos políticos bem sabem disso, não é atoa que a população negra está quase sempre em disputa nas várias formas políticas em período de eleição, seja pelos candidatos mais à esquerda sejam os de direita, buscando uma relação positiva com a população negra, ou uma caracterização negativa, reforçando estereótipos, etc. Principalmente ligados à questão da “guerra às drogas”.

Na última década, a principal organização a pautar a questão racial no Brasil foi o PSOL(Partido Socialismo e Liberdade, ao tratar do PSOL a partir de agora estarei falando da linha geral do partido mesmo reconhecendo que ele possui divergencias grandes internamente), muito influenciados pelas tentativas de renovação do socialismo a partir da queda da União Soviética nos anos 1990, como o próprio nome diz, buscava apresentar uma alternativa de “Socialismo com liberdade”, se a parcela “socialista” do partido estaria ancorada na defesa ferrenha de direitos políticos e econômicos de parcelas, povos e pautas marginalizados (é necessário reconhecer que durante um tempo o partido também foi referência quase sozinha na luta LGBTQIA+, ambiental e de solidariedade internacional), a parte que cabia à “liberdade” estaria ancorada especialmente na forma organizativo do próprio partido, sendo um partido de correntes e, do ponto de vista de seus militantes, no respeito (quase que incondicional) às suas individualidades.

Com efeito, em pouco tempo, o PSOL conseguiu aproximar de si uma grande parcela de pessoas preocupadas com o meio ambiente, pessoas racializadas, LGBTQIA+ e mulheres mas tão rápida foi essa aproximação quanto foi a incapacidade da organização em apresentar uma saída concreta para sanar os principais problemas que esses grupos necessitavam que fossem resolvidos. Assim, o PSOL consegue eleger uma série de bons quadros para vereador, deputado, fazem boas disputas para prefeituras, governos e presidências mas, pouco a pouco, decaem para ser mais um partido da ordem, não mais nessa vanguarda que um dia estiveram, de se apresentarem enquanto uma alternativa corajosa de mudança mas sim de manutenção do que está aí estabelecido. Exemplo disso é a própria candidatura de Boulos para a prefeitura de São Paulo em troca de um apoio acrítico as políticas neoliberais apresentadas pelo PT no último período, como teto de gastos, etc.

Apresento essa questão do PSOL pois, a meu ver, eles tinham muito mais coragem de priorizar outras lutas para além da “boa e velha luta de classes” do que nós temos nesse momento e ainda assim, essa concepção de que há as identidades que devem ser protegidas a qualquer custo, tanto das opressões quanto das influências dos “partidos”, falhou de uma forma lamentável. A tentativa de contrapor “racismo x fascismo”, que é a mesma que Sodré apresenta como grande novidade mas que foi amplamente utilizada pelo PSOL nesses últimos anos não apresenta nem do ponto de vista teórico, nem na prática alternativas fundamentais aos partidos comunistas, populações racializadas e classe trabalhadora para sanar a questão.

Ao colocar o racismo como uma expressão de comportamentos fascistas, em certa medida individualizando a questão ou jogando-a para o dojo das “disputas de consciência”, da cultura e… no limite… da intersubjetividade, o que estamos fazendo é criar problemas infinitos e extremamente complexos do ponto de vista jurídico, cultural, temporal, institucional, etc, etc. enquanto o capital segue ileso, com o capital ileso, a estrutura racista também seguirá, mesmo que transformada ou com novas contradições. Basta ver o exemplo das cotas raciais, uma política importante mas que não garantiu a transformação de nossa sociedade.

Consequências Políticas - O caso da UP

De uma maneira bastante acertada, conforme sua própria estrutura organizativa e objetivos políticos, a UP (Unidade Popular pelo Socialismo), a partir de seu último Congresso passou a se denominar “O Partido Antifascista do Brasil”, para mim, é nítido que tal organização está buscando trilhar um caminho parecido com o PSOL, em se colocar como uma alternativa para a classe trabalhadora brasileira sob a ótica do “fascismo x civilização”, como o PSOL decai para mais um partido da ordem que nem isso consegue fazer mais a UP se apresenta como uma alternativa de organização desse sentimento (não vou adentrar nas questões da relação da UP com o PCR pois outros camaradas já tratam disso em outras tribunas).

A partir dessa visão, a questão racial no Brasil passa por uma questão de reconhecimento e valorização das pessoas racializadas, enquanto lidamos com a resistência ao fascismo das mais variadas formas, as pessoas racializadas devem se sentir acolhidas e pertencentes à nossa organização pois serão elas a fazer essa resistência. Esse protagonismo, apesar de ser muito importante, haja vista a baixa representação de grupos historicamente excluídos nas direções dos partidos de esquerda atualmente, não é suficiente para superar a fragilidade política que é elencar a luta contra o fascismo como a trincheira prioritária para a construção do socialismo no Brasil.

A luta contra o Fascismo é fundamental, mas ela se torna eminentemente limitada quando temos a atual conjuntura onde quem opera uma política neoliberal é exatamente o PT, um “partido de esquerda” que, apesar de todas as críticas que temos não pode ser caracterizado como fascista, assim, há um ocultamento da realidade atual que é muito importante de ser criticada, aprofundada nas formulações, análises e lutas concretas. Com a perspectiva de “luta contra o Fascismo” seguiremos reivindicando e disputando as instituições (desde as mais simples como associações, centros acadêmicos, DCEs e sindicatos até as mais complexas como o próprio Estado a partir de órgãos centrais, prefeituras, governos, etc) sem a perspectiva de mudá-las radicalmente ou de ousar fazer a disputa até uma possível ruptura ou expulsão da institucionalidade quando a demanda política da classe trabalhadora não puder ser contemplada pelos espaços organizados por uma dinâmica burguesa.

Consequências Políticas - O PCB antes do racha

No caso do PCB antes do racha, é necessário realizar mais uma vez o apontamento de que a questão racial não foi centralmente colocada em pauta, apesar dos valiosos esforços de diversos camaradas em todo o país que buscaram sim debater nos diversos espaços sobre o tema no sentido de contribuir com a construção de um PC que realmente conseguisse lidar com as questões que o Brasil exige, não houve esforço partidário para que o racismo fosse combatido de forma centralizada em nossas fileiras nem que a pauta se fizesse prioritária em diversos espaços de disputa.

Além disso, é necessário mencionar mais uma vez que, estando em um partido com centralismo, onde as direções possuem indiscutivelmente um papel bastante central em praticamente em tudo que ocorre no partido, especialmente quando a democracia interna é bastante falha, as várias tentativas de calar Jones Manoel mas também as patéticas “críticas” a acontecimentos ou figuras públicas brasileiras, coincidentemente sempre pessoas negras, dirigidas por Edmilson Costa ao Emicida em suas redes sociais ou de Antônio Carlos Mazzeo contra o Galo quando da queima do Borba Gato, só para exemplificar, expressam que se estamos em um esforço para superar os problemas do PCB-CC há muito mais do que apenas ter mais democracia interna e um novo bloco de partidos alinhados no MCI.

Nossas linhas programáticas sobre as questões raciais eram uma cópia mal feita das correntes mais avançadas do PSOL, onde apresentavamos um balanço histórico Marxista sobre a fundação do Brasil a partir da acumulação primitiva de capital a partir do colonialismo e escravidão para concluir que deveríamos enfrentar o racismo institucional, lutar por cotas, pelo desencarceramento, etc. Era apresentada uma causa estrutural mas uma solução institucional. Ao mesmo tempo que toda a questão das relações relacionadas ao racismo dentro das fileiras era mal vista como “identitária e pós-moderna” com o Minervino de Oliveira servindo muito mais para que camaradas valiosos que se preocupavam com a questão se afastassem da real disputa de poder interna ao partido.

O que devemos fazer agora?

Em absoluto, não sei, mas um bom começo é assumir que o problema existe. Além disso, identificar o que está em disputa, para mim, a caracterização do papel do racismo na formação social brasileira é uma questão importante para um partido comunista ter na ponta da língua, mas também em seu programa, resoluções e estatuto de forma séria e concreta. Atualmente no caderno de teses prévio só há menções bastante genéricas sobre o combate à opressões e a importância dos movimentos negros existentes atualmente mas pouco há sobre o nosso próprio papel, enquanto comunistas, de disputar essa questão internamente e externamente ao partido.

Se quisermos enfrentar de fato esse problema vamos precisar nos posicionar em relação a isso e não termos dúvidas de que o enfrentamento ao Racismo não deve ser feito apenas para fora da organização mas também internamente, também com organizações que construímos cotidianamente alguns trabalhos, também no MCI, pois não há perspectivas para um partido comunista no Brasil que não enxerga que a classe trabalhadora de seu país é em sua maioria negra!

Tal escolha é determinante para o tipo de alianças, respostas e tensionamentos que fazemos com outras organizações pois cada tipo de caracterização aponta para respostas distintas.

  1. Se assumimos que a questão racial deve ser tratada apenas por camaradas racializados, que é uma questão de formação interna, etc.. Seguiremos com algo parecido com o Minervino de Oliveira, que deverá produzir alguns materiais, eventos, etc. para o partido buscando um avanço gradual das consciências des camaradas
  2. Se assumimos que o Racismo é Institucional, estamos apostando que a sua solução é também institucional, então em nossos materiais constarão formas de impedir as discriminações na forma da lei, também vamos seguir compondo e protagonizando movimentos para uma melhor representatividade em espaços de poder, mesmo dentro da dinâmica burguesa.
  3. Se assumimos que o Racismo é intersubjetivo, cultural, etc. Nosso papel será o da inserção em disputa de meios culturais mais amplos, onde as relações de nossos camaradas podem ser transformadas individual e coletivamente para algo mais pacífico e menos racista, mas isso leva tempo.
  4. Se assumirmos que o Racismo é estrutural, como defendo, estamos apresentando uma leitura em que tanto o capitalismo como o racismo no Brasil não podem ser lidos separadamente. Em cada traço de nossa organização essa leitura deve ressoar, independente de nossa composição atual não estar preparada para tal mudança, será necessário abordar exatamente as questões econômicas, políticas e subjetivas que correspondem à reprodução do Racismo Estrutural, dentro e fora de nossas fileiras até combatê-lo de maneira definitiva.

O RACISMO É ESTRUTURAL NO BRASIL

O Racismo é estrutural no Brasil pois, assim como o pŕoprio capital, independe de esforços individuais ou coletivos, da relação política e econômica de pequenos grupos para seguir existindo, se reproduzindo e estruturando a sociedade. Se outras coisas são também estruturais e devem ser vistas dessa forma na sociedade brasileira, como as questões relativas às mulheres ou a LGBTQIA+ é uma discussão válida e que deve ser feita por quem tem competência para isso mas é necessário entendermos que os próprios comunistas ou “vanguardas de esquerda” contribuíram muito para a elaboração do que é a questão racial do Brasil e sua importância para a formação social do país para agora, na formação de um partido em Reconstrução Revolucionária, nós a reduzirmos apenas a uma questão de desigualdade entre pessoas de cores distintas.

Trata-se de fatores que vão além do presente, das identidades ou conjunturas, é a própria história do Brasil, portanto, não devemos apresentar essa questão com o marasmo com que está sendo posta atualmente, pois isso pode influenciar, e muito, no que será nosso partido, nossas prioridades e trabalhos políticos, organizativos, formativos e financeiros daqui para frente.

Enquanto não considerarmos que o Racismo precisa ser combatido nos mesmos termos que esperamos combater o capital, seguiremos passando pano para algumas situações que ocorrem nossas fileiras como algo menos importante e com discussões onde reproduzimos o racismo nas nossas formulações políticas mesmo sem perceber. Um exemplo disso, na Conferência Regional da UJC em São Paulo, ao colocar em contraposição “periferia” x “proletários” na discussão sobre setores estratégicos para atuação, há um falso debate, racista, onde se traça uma linha imaginária em que ou uma pessoa é periférica ou é proletária, onde a periferia (lea-se pessoas racializadas) não são estratégicas por não estarem ligadas aos setores produtivos do capital, quando é síntese há quase um século que os exércitos de reserva produtiva fazem parte da dinâmica capitalista e que é papel dos comunistas lidar com essa questão.

Se temos uma periferia que não consegue se apropriar das pautas dos comunistas porque não consegue comer então acaba se preocupando mais com isso, devemos encontrar formas de lidar com essa alimentação e com a obtenção de empregos para essa população, assim estaremos lidando com a dimensão econômica tanto do capitalismo quanto do racismo.

Se temos pessoas negras e periféricas que não se sentem acolhidas em suas demandas nos espaços dados da sociedade burguesa e em outros partidos, devemos nós mesmos forjar esses espaços, permitindo que não somente as pessoas entrem mas que se desenvolvam em nossas fileiras, não somente que o debate seja feito aqui mas que retorne e ressoe nas periferias e em outros espaços de decisão, assim poderemos começar a lidar com a dimensão política tanto do racismo quanto do capital

Se temos pessoas racializadas que se sentem inferiorizadas pela sociedade burguesa e racista, criando relações destrutivas e um imaginário próprio mas principalmente nas pessoas brancas que é também de inferioridade nosso papel é fazer a disputa ideológica, dando condições para que tais camaradas se desenvolvam tanto quanto quaisquer outros em nossas fileiras e em suas carreiras, que possam existir e não só resistir plenamente e que suas formulações ressoem de forma concreta na sociedade a ponto de fazermos a disputa da subjetividade / ideologia.

O estabelecimento da ideia de Racismo como estrutural para um partido comunista revolucionário em Brasil pode nos fazer avançar nas questões internas da própria organização sobre alocação de recursos financeiros, priorização de trabalhos de formação, atuações políticas, giros, tarefas, etc. Se compreendemos que o Racismo é estrutural, de cara está negada a possibilidade de apenas camaradas racializados se envolverem com as questões relativas ao Racismo, pois, querendo discutir isso ou não es camaradas brancos estão em posições que estruturalmente os favorecem (dito privilégios), portanto, como comunistas essas posições devem ser discutidas, além disso, se identificamos que a questão econômica para a população negra é determinante para sua existência e por consequência atuação política, se queremos ter mais quadros racializados no partido é inadiável a criação de trabalhos que tenham retorno financeiro efetivo para a organização, se há violência simbólica ou direta dentro da organização não vamos mais ter como primeira resposta o punitivismo mas compreender quais são os desvios que podem ser creditados à estrutura e quais podem ser superados (ou não) no indivíduo e por fim, vamos parar de achar que o racismo em nossas fileiras vai acabar apenas com formações! Parafraseando o Muniz Sodré “Se fosse só isso, já tinha acabado!”

Nada disso é fácil, nada disso é rápido, mas nós somos comunistas, escolhemos esse percurso não por acreditar que ele é o mais simples mas por compreender que é o único possível para a emancipação humana!

Há braços!