22 anos sem Sabotage: a expressão da violência no Brasil

O artista foi assassinado neste dia, em 2003. A morte do rapper é expressão da violência provocada pela sociedade capitalista, que afeta todos os dias a juventude, principalmente negra e periférica, encerrando precocemente a vida de diversos artistas.

22 anos sem Sabotage: a expressão da violência no Brasil
Graffiti feito por Cris du Corte e Spok, na Pista de Skate do Santa Felícia (São Carlos-SP) durante o Festival Hip Hop Salva: Juventude Quer Viver, em 2024. Foto: Marcelo Hayashi / Jornal O Futuro

Por Marcelo Hayashi

Mauro Mateus dos Santos, vulgo Sabotage, que até hoje é um dos maiores rappers brasileiros, foi alvejado com quatro tiros na Avenida Professor Abraão Moraes (São Paulo), logo após deixar sua esposa no local de trabalho, no dia 24 de janeiro de 2003. A circunstância e motivação de sua morte até hoje são alvo de conspirações, com versões, questões e especulações em torno do acontecido.

Sabotage era cria da favela do Canão, da Vila da Paz, do Boqueirão e região. Desde 1985, o MC já escrevia e cantava, inspirado em outros artistas como Afrika Bambaataa, Barry White, Leo Jaime, Pixinguinha e Chico Buarque. Seu álbum de estreia, “Rap é Compromisso!” (2000), impactou a cena cultural do Hip Hop, num projeto cheio de hits e feats com RZO, Negra Li, SP Funk, entre outros.

Após sua morte, foram levantadas hipóteses de que isso teria a ver com o antigo envolvimento de Sabotage com o crime organizado. Porém, suas amizades e familiares não concordavam com essa visão, já que havia 10 anos que ele tinha largado a vida criminosa. Uma pessoa foi indiciada como suspeita, onde ele negou ter sido a pessoa que puxou o gatilho. Algumas versões desta parte da história apontam que o acusado chegou a apontar que a culpa poderia ter sido do Primeiro Comando da Capital (PCC), ou mesmo da Polícia Militar, que poderia o ter torturado para ser responsabilizado pelo crime. A verdade é que a defesa do réu questionou as provas apresentadas e a conduta da polícia durante o inquérito. Sirlei Menezes da Silva foi condenado a 14 anos de prisão, no dia 13 de julho de 2010.

O impacto do artista

A figura de Sabotage tem peso na cena cultural da música e do cinema até hoje. Seu álbum de lançamento virou referência para todas gerações seguintes no Hip Hop. Sua figura até hoje é celebrada nas batalhas de rima, nas ocupações culturais e eventos de rap, break, graffiti e discotecagem por todo o país.

Quando conheceu Mano Brown e Ice Blue (Racionais MC’s), no final da década de 1980, Sabotage surpreendeu a todos com suas letras e seu flow. Não à toa, o seu único álbum em vida foi gravado pelo selo Cosa Nostra, o mesmo responsável pelo disco “Sobrevivendo no Inferno” dos Racionais MC’s, que hoje é utilizado como referência musical e literária da vivência periférica dos anos 1980 e 1990.

Além disso, Sabota, como era conhecido no meio, também foi ator aclamado nas telas dos cinemas brasileiros e internacionais. Ele foi um dos personagens principais do filme “O Invasor” (2002), de Beto Brandt, ao lado do também cantor Paulo Miklos (Titãs), onde ele interpretava ele mesmo. Também foi responsável por dar vida ao Fuinha, no filme “Carandiru” (2003), de Héctor Babenco (baseado no livro de Drauzio Varella, “Estação Carandiru), que conta a história do massacre promovido pelo estado brasileiro dentro da prisão de segurança máxima. Ele também gravou para a trilha sonora destes filmes.

Reprodução/Foto: Marcio Simch.

A influência de Sabotage foi tão grande que ele gravou com artistas da sua cena, como BNegão, Rappin Hood, KL Jay, Daniel Ganjaman, Trilha Sonora do Gueto, Z’África Brasil, mas também com artistas de outras cenas musicais, como Charlie Brown Jr. e Sepultura.

Sua família sempre fez o esforço de manter sua memória viva. Nesse processo, as guias inéditas que o rapper deixou após sua morte foram aproveitadas para álbuns póstumos. Em 2016 foi lançado o álbum “Sabotage”, e no ano passado, em 2024, em comemoração aos 50 anos de Mauro Mateus, foi lançado o álbum “Sabotage 50”, com a releitura de algumas músicas e participações inéditas nas parcerias.

Existem também dois documentários que contam um pouco mais da vida do artista. O primeiro, chamado “Sabotage - Nós”, conta a trajetória do rapper na produção do seu disco de estreia, contando também a história do RZO; eles também intercalam cenas da família dele, como os filhos Wanderson “Sabotinha” e Tamires, na favela do Boqueirão. O outro documentário, chamado “Sabotage: O Maestro do Canão”, foi lançado em 2015 e teve a direção de Ivan13p e produzido por Denis Feijão; contando com a participação de Thaíde, Paulo Miklos e Aílton Graça.

A influência e a exceção à regra

Sabotage foi uma das exceções dentre os milhões de jovens negros e periféricos que são assassinados e viram apenas estatísticas no Brasil. Sabota nunca escondeu seu passado envolvido no crime, mas também sempre ressaltou que não haviam outros caminhos para quem sempre teve suas oportunidades tiradas pela sociedade capitalista. Em entrevista para a Revista MTV, em agosto de 2002, ele disse:

“Moro na favela desde os 2 anos, e dos 8 aos 19, andei no crime que nem louco. Saí por causa de Deus, porque polícia não intimidava, tapa na orelha só deixa a criança mais nervosa.”

Viver e crescer em meio ao caos urbano promovido pela especulação imobiliária e a financeirização. Ter contato desde muito novo com um ambiente de medo promovido pela falsa guerra às drogas. Conviver diariamente com a repressão policial e a falta de oportunidades de emprego. Vivenciar o racismo, a aporofobia e a falta de esperança na sua potência artística. Essa foi a vida de Sabotage, e ainda hoje é a vida de muitos e muitas crias das comunidades que lutam enquanto artistas independentes, com a expectativa de ter uma vida melhor.

Sabotage conseguiu superar todos obstáculos colocados pela sociedade capitalista para se mostrar ao mundo como artista. Em um tempo onde o Hip Hop ainda não havia sido totalmente mercantilizado, ele infelizmente pouco ganhou financeiramente comparado aos artistas de hoje em dia, já que sua família continuou vivendo nas comunidades e lutando pela sua subsistência.

A última entrevista que Sabotage deu, foi para a Revista TRIP, ainda em 2003, onde ele comentou sobre a “guerra às drogas”:

“A cocaína não vem do morro, vem do avião da FAB. A maconha é plantada no terreno de quem? Além disso, tem os caras que buscam o neguinho na favela, dão dez reais para ele e amanhã já era. Amanhã esses mesmos caras ganham um Oscar, ganham tudo, mas o neguinho continua no barraco…”

Mesmo assim, ele sempre quis falar também de outras coisas que não só aquilo que diziam que era de sua alçada. No documentário de 2015, “Sabotage: Maestro do Canão”, em um dos trechos o rapper fala:

“O rap tem que ter raiz, tá ligado? Não é por nada, não, mas tem ‘uma pá’ de cara cantando rap aí, os ‘cara’ ‘fala’ do sofrimento. Agora eu falo pra você, se eu fosse falar de tanto sofrimento, o meu tempo não dá, olha o meu redor”

Ele com certeza serve de inspiração para muitos jovens hoje em dia, mas também deve servir como exemplo da injustiça que existe hoje em nossa sociedade, como retrato de um cenário onde ricos matam, direta ou indiretamente, muitos artistas únicos que muitas vezes nem tem a chance de mostrar sua arte.

Há ainda muito a se falar e contar sobre Sabotage. A memória e o legado dele vivem pelas ruas de todo país, com o espírito da mudança social que o rapper sempre quis.