13 de maio: a privatização dos presídios e a perpetuação da escravidão

Se, na prática, a escravidão nunca teve fim no Brasil, com o incentivo ao complexo industrial-prisional ela volta a ser legalizada.

13 de maio: a privatização dos presídios e a perpetuação da escravidão
Navio negreiro, quadro de Johann Moritz Rugendas, de 1830.

Por Redação

Décadas antes da sanção da Lei Áurea, legislação que colocou fim, juridicamente, ao trabalho escravo de pessoas negras no Brasil, o parlamento do Império já preparava o cenário nacional para proteger os interesses dos senhores de escravos e da Coroa Portuguesa no pós abolição.

Desde a primeira Constituição Federal do Brasil pós independência, sancionada em 1824, o Estado demonstrava o racismo no qual se apoiava e não fez menção alguma aos escravizados ou à escravidão na Carta Magna.

Já com o objetivo de atrasar ao máximo o fim legal desse regime de trabalho, diversas outras leis foram aprovadas. Três delas (as Leis Feijó, de 1830; Eusébio de Queirós, de 1850; e a Nabuco de Araújo, de 1854) possuíam, teoricamente, o objetivo de proibir o tráfico de escravos, mas, na prática, a primeira delas foi a responsável por criar o termo “Para Inglês Ver”, o que só identificava a falta de interesse das autoridades em cumprir a norma.

Outras duas leis que pareciam responder às demandas abolicionistas ao serem sancionadas, mas não possuíam efeito real, foram a Lei do Ventre Livre, de 1871, e a Lei dos Sexagenários, aprovada em 1885. Enquanto a primeira libertava, com ressalvas, os filhos de pessoas escravizadas a partir da data da sanção, mas não libertava seus pais, a segunda alforriava, dentro de determinados critérios, escravizados com mais de 60 anos. No último quarto do século XIX, a expectativa de vida dos escravos no Brasil variava em torno de 19 anos.

Apesar disso, no caminho legislativo rumo à Lei Áurea, uma das normas mais importantes para o pós-abolição não tratava diretamente sobre escravidão. Em 1850, o congresso brasileiro sancionou a Lei nº 601, conhecida como Lei de Terras, que estabeleceu que só era possível adquirir propriedades por compra, venda ou doação do Estado. Sendo assim, a propriedade por usucapião — quando o ocupante de um terreno passa a ser legalmente dono dele devido ao tempo em que ali viveu — estava abolida.

E assim chegou-se ao 13 de maio de 1888, com os escravizados recém-libertos sem qualquer garantia constitucional, sem poder exercer direitos básicos como frequentar escolas e sem terras para viver.

O racismo legislativo

Ainda que o Brasil não tenha implementado regimes como as Leis Jim Crow, dos Estados Unidos, e o Apartheid, da África do Sul, os negros daqui não só estavam legalmente desamparados, como tinham seus hábitos e cultura perseguidos judicialmente. Assim, deixando explícita a intenção do Estado de criminalizar condutas associadas às pessoas negras.

Já no primeiro ano da República, em 1890, o Congresso deliberou que cabia ao Poder Legislativo permitir o ingresso ou não de imigrantes africanos e asiáticos no Brasil, ao mesmo tempo em que investia na vinda de trabalhadores europeus que recebiam terras para viver e salários para atuar nos postos que antes eram ocupados por escravizados.

No mesmo ano, o Código Penal passou a considerar cultos afro-brasileiros como “espiritismo, magia e outros sortilégios” e “curandeirismo”, passíveis de prisão. Em uma reforma na legislação, feita pela Ditadura do Estado Novo (1937 - 1945), de Getúlio Vargas, em 1942, a Umbanda e o Candomblé foram oficialmente proibidos no Brasil.

Um ano antes, em 1941, a “Vadiagem”, que já era punida desde o Império, foi incluída na Lei das Contravenções Penais, e passou a punir com prisão pessoas que estivessem “aptas a trabalhar” e fossem encontradas em “ociosidade”. Além de perseguir os negros, que eram (e ainda são) maioria entre os desempregados, também punia sambistas, que em sua maioria eram também pretos e pardos.

No século XXI, a legislação mais conhecida pela perseguição a pessoas negras é a Lei de Drogas, de 2006, criada durante o segundo governo Lula (PT). Em 2005, antes da lei, presos por crimes ligados às drogas eram 9% do total, em 2019 o número já chegava a 29%, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Os anos de 2016 e 2017 também foram marcantes na perseguição da cultura negra no Brasil. Enquanto em São Paulo o então governador Geraldo Alckmin (PSB) assinou, em 2016, o decreto 16.049 que deu poder à Polícia Militar (PM) para interromper e criminalizar os bailes funk, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) o deputado Filipe Soares (DEM) propôs classificar os bailes funk como "evento nocivo à saúde pública".

Quem são os presos no Brasil?

No segundo semestre de 2023, o Brasil atingiu a marca de 852 mil pessoas presas, de acordo com os dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN). Para fins de comparação, o número de pessoas encarceradas atualmente é maior que o número de habitantes de cidades como João Pessoa, na Paraíba, São Bernardo do Campo, em São Paulo, e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

O levantamento também indica que, do total, 175.279 são presos provisórios, ou seja, que não foram julgados. E ainda, que houve aumento de 2,3% na oferta de vagas em presídios.

Mas, afinal, quem são os presos no Brasil? A resposta vem do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que teve a última edição de seu anuário divulgada em 2023, com avaliação de dados do ano anterior. Segundo o relatório, havia 442.033 negros encarcerados no Brasil, número equivalente a 68,2% do total das pessoas presas. Os resultados demonstraram o maior patamar de encarceramento negro da série histórica do levantamento, que é feito desde 2005.

Sobre a faixa etária, o documento demonstra que 62.8% dos presos possuíam de 18 a 34 anos e que do total de encarcerados 12.515 eram adolescentes cumprindo medida socioeducativa em meio fechado.

Demais estáticas do anuário demonstraram que dos mais de 830 mil presos contabilizados em 2022, 95% eram do sexo masculino.

A guinada neoliberal em direção aos presídios

Se a população brasileira sofre com políticas neoliberais desde, pelo menos, a década de 1990, com os governos de Fernando Collor (PTC) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a terceira eleição de Lula ao Planalto não demonstrou nenhum distanciamento desse tipo de política econômica. 

Em abril de 2023, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços Geraldo Alckmin e o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) assinaram o decreto 11.498, que incluiu o setor de Segurança Pública e sistema prisional no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), criado por Michel Temer (MDB), em 2016.

Já em março de 2024, a norma foi substituída pelo decreto 11.964, dessa vez assinado pelo próprio Lula e seu ministro da Fazenda, que apresenta alterações no texto mas mantém o entreguismo do sistema penitenciário nacional para a iniciativa privada.

Com a canetada, o governo federal colocou-se, por meio dos bancos públicos, como garantidor da viabilidade financeira de Parcerias Público-Privadas (PPP) entre empresas investidoras e governos estaduais neoliberais, como os do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo, que já demonstraram interesse em avançar na privatização de instituições penitenciárias.

Neste cenário, é importante destacar que um decreto presidencial não é assinado mediante imposição do Poder Legislativo, pelo contrário, o Congresso tem autonomia para derrubá-lo, mas não o fez, reafirmando o caráter do Estado Burguês.

Diante da pauta racista que transforma seres humanos em mercadoria dentro da prisão, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Almeida levou quase um ano para se manifestar de forma contrária às privatizações. No último mês de fevereiro de 2024, o ministro afirmou em coletiva de imprensa:

“A gente sabe que, no final das contas, vira privatização da execução da pena e isso não pode acontecer. E não só por vontade política, mas porque isso é inconstitucional, é ilegal”.

A ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, por outro lado, não se manifestou a respeito da política racista e neoliberal de privatização.

O complexo industrial-prisional

O termo “complexo industrial-prisional” refere-se às relações estabelecidas entre o Estado, empresas privadas, instituições prisionais e a mídia burguesa para manter o crescimento constante do encarceramento. Angela Davis explica em seu livro “Estarão as prisões obsoletas?”, de 2013, que a expressão passou a ser utilizada para “contestar a crença predominante de que o aumento dos níveis de criminalidade era a principal causa do crescimento das populações carcerárias”.

Sendo assim, o complexo industrial-prisional é formado pela busca de lucro em torno do encarceramento. Ele já existe nas prisões estatais e aparece na prestação de serviços de construção, venda de uniformes, produção de alimentação e em serviços de manutenção, por exemplo.

Com o avanço das privatizações nos presídios, o cenário fica ainda mais exploratório, agressivo e racista. Além do lucro gerado pela manutenção das pessoas presas, abre-se a possibilidade de lucrar com a mão-de-obra encarcerada sem precisar seguir legislações trabalhistas, sem organizações sindicais ou greves.

Em 2013, foi inaugurado o primeiro presídio brasileiros 100% privatizado desde sua construção. Os modelos que já existiam na época foram construídos e operados de forma pública até passarem para a gestão de empresas privadas. A cidade a receber a unidade foi Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, graças ao governo de Aécio Neves (PSDB), que fechou o contrato com a empresa Gestores Prisionais Associados (GPA), em 2009.

No contrato de 27 anos de privatização está previsto, entre outras coisas, a “obrigação do poder público em garantir demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal durante o contrato”. Além disso, na penitenciária só são aceitos detentos considerados de “bom comportamento”, que não tenham envolvimento com facções ou que não sejam condenados por crimes graves como estupro, por exemplo. O GPA também pode devolver à tutela do governo os presos que se recusarem a estudar ou trabalhar no presídio.

As condições de trabalho no presídio de Ribeirão das Neves são legisladas pela Lei de Execução Penal (LEP), de 1984 — ainda da Ditadura Empresarial-Militar. A LEP autoriza que os presos recebam ¾ do valor do salário mínimo, sem nenhum benefício. Assim, um trabalhador preso custa até 54% menos que um trabalhador assalariado no regime da CLT em liberdade.

Toda prisão é política

A afirmação de que toda prisão é política remonta à luta do Movimento Negro Unificado (MNU), que em 1978 enfrentou a Ditadura Empresarial-Militar para denunciar que o racismo e a criminalização da pobreza, implícitos na seletividade do Estado que aprisiona pessoas, também são políticos. Os protestos em torno da pauta começaram depois que o feirante Robson Silveira da Luz, um homem negro, foi assassinado pela polícia.

Neste 13 de maio, uma das tarefas mais importantes dos comunistas no Brasil é denunciar a perpetuação da escravidão e do racismo em governos e políticas que buscam transformar vidas em mercadorias dentro de presídios privatizados, e mobilizar a classe trabalhadora para barrar o neoliberalismo e construir um Estado Socialista que verdadeiramente busca a superação do racismo.