Sorocaba (SP): Aumento do EaD em graduações, sucateamento e a relação com instituições privadas no ensino superior

A EaD surge como um discurso para democratizar o ensino superior, possibilitar mais oportunidade para a classe trabalhadora conquistar um diploma e qualificar sua força de trabalho, acabou servindo, majoritariamente, para as instituições privadas aumentarem seus lucros.

Sorocaba (SP): Aumento do EaD em graduações, sucateamento e a relação com instituições privadas no ensino superior
Em 2017, por meio de um decreto, Temer já havia facilitado a abertura de polos de educação a distância, eliminando a necessidade de autorização prévia do MEC. Reprodução: Palácio do Planalto

Por Redação

Em 2018, no último dia de seu mandato, o governo golpista de Michel Temer editou uma portaria liberando as faculdades e universidades com nota 4 ou 5 no Ministério da Educação (MEC) para ampliar em até 40% a carga horária de aulas a distância nos cursos presenciais, o que antes era 20%. A portaria foi revogada no ano seguinte, já no governo de Jair Bolsonaro, com seu ministro da educação Abraham Weintraub, liberando 40% de EaD para todas as instituições, independente da qualificação com o MEC. A partir disso as instituições têm permissão para colocar dois dias de aulas online na grade curricular, porém, o que vem acontecendo não é o estudante receber essa porcentagem de aulas não-presenciais logo no primeiro semestre de sua graduação, mas sim se deparar com essas disciplinas a distância em suas grades com o decorrer da graduação. Desta liberação surge uma nova modalidade de ensino: o semipresencial.

Em 2017, por meio de um decreto, Temer já havia facilitado a abertura de polos de educação a distância, eliminando a necessidade de autorização prévia do MEC. Este também é um dos principais fatores para a expansão das graduações EaD no país, que tiveram um aumento de 87% de 2014 a 2022.

O que surgiu como discurso para democratizar o ensino superior, possibilitar mais oportunidade para a classe trabalhadora conquistar um diploma e qualificar sua força de trabalho, acabou servindo, majoritariamente, para as instituições privadas aumentarem seus lucros, cortarem seus gastos com contratações de professores e manutenção de infraestruturas, e o mais agravante, avançarem em seus projetos de monopolizar a educação brasileira.

Fonte: MEC/INEP

Hoje, quatro instituições de ensino superior concentram 23% do total de estudantes no Brasil, de acordo com o Censo da Educação Superior (2022): Centro Universitário Leonardo da Vinci, Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera, Universidade Paulista (UNIP) e Universidade Estácio De Sá. Em Sorocaba, cidade do interior de São Paulo, a Faculdade Anhanguera é uma destas instituições que oferecem cursos presenciais, semipresenciais e a distância. Entretanto, a faculdade precariza cada vez mais as opções de ensino presencial e híbrido, forçando muitas vezes o corpo discente a mudar de modalidade durante a graduação. 

Em seu 6º semestre, Gabrielle Picoli, 24 anos, cursa administração na faculdade no modelo semipresencial, com uma grade que possui apenas uma aula presencial por semana. Mesmo assim, sua graduação vem sofrendo boicote da instituição e passando por tentativas de se tornar 100% online. “Ano passado, eu passei muitas semanas sem ter aula porque não tinha professor, e praticamente minhas aulas do semestre foram todas online”, relata. Além disso, a estudante diz que boa parte de seus colegas migraram para o EaD, e que a faculdade sugeriu que a sala toda fosse para o mesmo caminho. Ela afirma:

“Eu tenho tido o mínimo de aula possível, neste semestre (1º de 2024) eu tive apenas três aulas presenciais. Nas semanas de prova eu não tenho aula, todas as avaliações são digitais. Eles disseram que após a pandemia as provas voltariam a ser presenciais, mas não voltaram.”

Gabrielle conta que não houve reposição das aulas perdidas e que também não houve desconto na mensalidade. Pelo contrário, os reajustes semestrais continuaram, como ocorre em toda IES privada.  A situação gera insegurança entre os estudantes, que se perguntam se vale a pena continuar pagando por uma graduação sucateada.  Gabriella conta: “Quase toda minha turma ou desistiu do curso, ou pediu transferência para on-line. A gente não tem a instrução de um professor, semestre passado tínhamos um projeto pra fazer, ele era multidisciplinar e era para trabalharmos nele durante todo o semestre, e a explicação dele deveria ser em sala de aula. Mas só fomos ter aula faltando duas semanas para entregar.”

Outra maneira que a faculdade encontrou para forçar os estudantes a trocarem de modalidade é exigir o pagamento de uma matrícula para conhecer a matriz curricular do curso online, para depois verificar se é possível o aproveitamento das disciplinas já cursadas.

A Universidade de Sorocaba (Uniso) tem avançado com sua agenda de expandir as disciplinas online na grade de cursos presenciais e quer mais: pretende acabar com o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) presencial, fazendo com que o principal trabalho de preparação profissional e intelectual dos universitários seja feito a distância.

Este modelo de TCC já foi aplicado na grade dos cursos de história e psicologia em 2023. Os estudantes de história, por exemplo, produziram o principal trabalho acadêmico com uma orientadora que não era do curso e que aparentava ter dificuldades para navegar nas ferramentas online. "Foram os piores momentos da minha vida, precisei tomar antidepressivo depois disso", relata Rafael de Almeida Nogueira, 26 anos, estudante de história, que enfrentou grandes dificuldades para desenvolver seu trabalho.

Rafael ainda revelou que os próprios estudantes tiveram de correr atrás de bibliografias, já que a orientadora não era da área. Apesar disso, ele também enxerga a precarização sofrida pela docente, que teve de lidar à distância com cerca de 60 alunos. “Sinto que não estou preparado academicamente para escrever um TCC decente, em moldes, esse trabalho não serviu para eu estar pronto profissionalmente e intelectualmente”, desabafa.

Na graduação de psicologia, também há muita preocupação entre o corpo discente. No sétimo semestre, Sofia Videira vive momentos de tensão ao pensar sobre seu TCC, sentindo que não terá o auxílio suficiente em um momento tão delicado da graduação e percebendo orientadores sobrecarregados. "Não querem que sejamos pesquisadores. Colocar nas costas dos professores corrigir mais de 100 trabalhos é a mais explícita precarização dos trabalhos científicos obrigatórios do curso", descreve a estudante. Ela observa que, junto com o corte de gastos na contratação de professores, há um momento de desestruturação da perspectiva de uma carreira acadêmica e a intensificação da formação de jovens apenas para o mercado de trabalho.

O aumento das aulas à distância e a desestruturação das infraestruturas das universidades pelo Brasil é tema pouco debatido dentro das entidades estudantis e nada cobrado para que o atual governo federal reveja e revogue esta portaria, além da necessidade de revogação do novo teto de gastos, o Arcabouço Fiscal, na intenção de criar melhores condições de formação para os estudantes, melhores relações de trabalho para os professores e ampliar o ensino superior público para áreas mais afastadas e interioranas, locais que a classe trabalhadora opta pelo EaD por não ter condições de mudar para outra cidade ou até mesmo de se deslocar até ela.

Apesar do MEC, recentemente, ter suspendido a criação de novos cursos de graduação a distância e a criação de novos polos da modalidade pelas instituições, os 40% de aulas onlines em graduações presenciais segue intacto, e ainda sem previsão para ser discutido nos corredores do ministério. De mãos atadas com os setores empresariais e os institutos privados, como Jorge Paulo Lemann, o MEC sofrerá pressão dos tubarões da educação para voltar atrás neste movimento que poderia dar início a um debate público sobre as consequências da crescente do EaD no país.