'Maré baixa e as tarefas dos comunistas para o próximo momento' (Felix Bouard)

Formar quadros, estabelecer uma estrutura organizativa e uma linha política orgânica e revolucionária em nosso interior, para que caminhando junto às lutas reais consigamos estar a frente da luta revolucionária quando uma revolta armada e a tomada do poder esteja em nosso horizonte.

'Maré baixa e as tarefas dos comunistas para o próximo momento' (Felix Bouard)
"E no caso, antes disso, devemos nos atentar e combater em nosso partido todo tipo de deturpação dos princípios revolucionários. Não devemos perder de vista não só quem são nossos inimigos mas também que não haverá outra via para combatê-los que não a via revolucionária."

Por Felix Bouard para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo esse texto em um momento de muita preocupação. Durante minha atuação no CRP do Paraná fica evidente a mudança de perspectiva de minhes camaradas. Se anteriormente tínhamos forte motivação, e a possibilidade de disputar o partido nos enchia de motivação, agora o cansaço chega - tanto aquele que acumulamos antes e durante quanto depois do racha - e a conjuntura agora nos diz que podemos “descansar”.

O que quero dizer camaradas, é que tenho percebido que chegamos num momento em que o partido depura-se: camaradas saindo ou se afastando da nossa organização, abatidos pela falta de inserção e vitórias imediatas da classe trabalhadora; Ou (e isso para mim é o mais preocupante), sem perspectiva de disputa interna em nossa organização. No Paraná, vejo aqueles que mais deposito confiança política desgastados e sobrecarregados com diversas tarefas e por vezes em mais de uma instância; enquanto isso, me preocupo com a linha que diversas tribunas assumem, parecendo se esquecer (se um dia já tiveram essa compreensão) de aspectos básicos de um partido político, propondo o rebaixamento de nossa linha (mesmo que não com essas palavras) para que possamos nos inserir em setores como: A igreja (quase sempre ignorando que o motivo de ela ter se proliferado nas terras brasileiras foi por estar presente no Brasil desde a chegada das caravelas, crescendo em cima de trabalho escravo e estando desde aquela época a serviço da ideologia burguesia, sendo seu replicador) e do exército (sem falar que tal setor esteve a frente do mesmo regime que matou, torturou e exilou militantes comunistas no século passado, possibilitou a entrada de fascistas para que eles tentassem tomar o poder no começo do ano passado, estando desde sempre atuando como braço armado da burguesia e matando nossa população preta e periférica sem nunca cessar).

Para além do que entendo como óbvio: disputar a igreja e o exército são apenas delírios que não consideram o papel ideológico que tais aparelhos cumprem interna e externamente, isso também parte de uma incompreensão a respeito de o que significa aderir à estratégia socialista ou de qual é o papel de um partido comunista.

NOS INSERIR EM TUDO, DIRIGIR NADA

O que mais me preocupa, camaradas, é que vejo boas intenções dos camaradas que propõe táticas tão sem sentido. Isso vem de militantes que realmente acreditam que por exemplo: O partido ao conseguir realizar um trabalho de base dentro das igrejas ou fora delas usando o imaginário cristão, terá portanto um grande crescimento de sua inserção, se falará mais da possibilidade do comunismo e da revolução mundial, e setores estratégicos iriam aderir com maior facilidade a nossa organização. Ou, e isso para mim é um delírio que leva menos ainda em conta a importância de construção de uma estrutura de poder paralelo para então realizar a tomada do poder: a crença de que o partido ao se inserir nas patentes mais baixas do exército, conseguindo apoio de soldados rasos e cabos, ou jogando nossa juventude para um trabalho infiltrado nesses espaços irá conseguir ter força bélica o suficiente para conseguir portanto realizar a tomada de poder.

E apesar de reconhecer as boas intenções sinto em lhes dizer camaradas: Mas a estrutura da igreja está intrinsecamente ligada à dominação burguesa, os ideias de família, o ideal de trabalho e a própria ideia de uma vida eterna após a morte são artifícios que servem muito mais para imobilizar a classe do que para a outra coisa. Se de um lado clamamos por direitos reprodutivos e a superação do núcleo familiar enquanto responsáveis pelo cuidado no sentido de emancipação feminina - a igreja estará nos apontando enquanto deturpadores da lei do Senhor. Se de um lado gritamos pela superação do gênero e da sexualidade enquanto pré-determinadas e determinadores do comportamento humano, a igreja estará apontando como em seus versículos sempre houve desde o começo Adão e Eva e como comportamentos desviantes devem ser tratados como avanço de forças malignas em nossa sociedade. Ou jogamos  tais propostas no lixo e ignoramos o papel que as relações de gênero tem na manutenção do capitalismo ou aceitamos que a igreja não será assimilada pelos ideais comunistas: O crente sabe que Jesus falou de se repartir o pão, mas isso no máximo o faz realizar um trabalho assistencial, ou de caridade, sem superar as estruturas que o tornam necessário.

Sinto em lhes dizer também camaradas: Mas não apenas é uma tarefa irreal jogar nossa militância para disputar internamente as patentes baixas do exército (já que ao surgir a menor possibilidade de uma revolução tais membros clandestinos, venham eles de onde vierem, iriam de imediato para os porões para serem torturados, mas também: Não é apenas a luta armada que torna realizável a superação do sistema capitalista, na falta de uma estrutura de duplo poder, qualquer avanço que façamos não poderá ser mantido caso a “revolução” seja na verdade a tomada de um ou outro prédio institucional. O trabalho dos comunistas camaradas, infelizmente é mais difícil do que recrutar quem tem armas e sabe manuseá-las (e não digo que não haverá o uso de armas na revolução), mas quando vejo mais tribunas discutindo a infiltração na polícia militar, exército e etc (desconsiderando que são essas instituições responsáveis pela morte sistemática da população preta e periférica, e da repressão contra a classe trabalhadora organizada) do que tribunas discutindo a forma de organização local, como iremos buscar a constituição de conselhos e comitês onde a classe trabalhadora possa construir sua autonomia, sobreviver sem precisar do aval do estado burguês me faz pensar que meus camaradas querem apenas um espetáculo, mesmo que ele seja articulado junto de setores reacionários e vacilantes da classe trabalhadora do que a ditadura do proletariado.

AÇÃO COMUNISTA EM TEMPOS DE MARÉ BAIXA

Para esse parágrafo, uso do texto publicado por Francisco Martins Rodrigues, texto com o qual vejo muito sentido para a nossa realidade atual. Sigamos: camaradas, da mesma forma que a ascensão da direita ao poder fez radicalizar parte significativa de nossa juventude, ao passo que as respostas institucionais e liberais não barraram ou amenizaram a ofensiva do capitalismo. No entanto, agora o petismo volta ao poder (entre muitas aspas pois dessa vez é com uma força muito menor comparada a 2002) e se cria uma noção de estabilidade. Algumas coisas melhoram, alguns programas voltam (óbvio que as políticas de austeridade não são revogadas) e se cria a noção de que os comunistas não conseguiram (porque de fato não), o petismo volta ao poder e mostra que a aliança com a extrema direita e as concessões a ela aparentemente trazem resultados! (obviamente que só esperar alguns anos e tamo jogado mais fundo na merda), e com isso um perfil de militante se desprende de nossa organização: seja por ver que não virão pela via revolucionária as vitórias imediatas que almejam (e esse desprendimento pode ser saindo da luta organizada e tentando suplementar-la com algo que crê trazer “vitórias reais” ou até mesmo se mantendo na luta organizada mas se dispondo a tocar uma linha que não a revolucionária, onde pode ser candidate a vereador, deputado afins com possibilidade de ser eleite e trazer “vitórias reais”!

Não quero cortar a brisa dessas pessoas mas bem: tanto acho dificil que esses elementos encontrem satisfação numa luta que traga vitórias reais no primeiro momento em que tiverem de defender a política de conciliação de classes ou uma disputa qualquer de alguma entidade sem poder falar mais de como a democracia burguesa é uma farsa (caso se sintam bem com isso, vou ter de desconfiar que tenha sido melhor terem se desprendido da luta revolucionária.

E obviamente camaradas, mas não são apenas os imediatistas que se desprendem. Na verdade, vi saírem muito mais aqueles em que mais confiava politicamente mas que com a alteração da conjuntura já não se sentiam mais condicionados a aceitar os mandos e desmandos de homens cis brancos que parecem estar muito mais no partido por ego e que por terem maior tempo de se formar são alçados a posições de dirigência. Ou se não isso, se não tem contato com elementos tão deploráveis, se frustram ao ver que grande parte do partido parece ter uma concepção rebaixada da luta revolucionária ou às vezes por serem pessoas LGBTs e mulheres que vendo o apoio aparentemente acrítico a um partido que uma semana antes havia lançado uma nota contra o casamento homoafetivo, em defesa da família tradicional (como se a divisão de gênero fosse só uma contradição que bem, depois a gente vê se tenta superar ou não, sei lá!). Isso tudo camaradas, fazem com que percamos importantes elementos da luta revolucionária, e se agora eu estou sobrecarregade tentando organizar uma etapa de congresso com muito menos braços do que tínhamos, isso também é resultado das ações de dirigente que se presta mais a ficar no twitter discutindo qualquer coisa do que escrever tribuna, e expressa o quanto é perigoso tomar decisões enquanto dirigente como se a sanção que a base pode fazer à ele é uma: deixar o partido.

ESTAMOS NA MERDA, E AGORA?

Sei que é desanimador camaradas, saber que a luta revolucionária está tão aos frangalhos que os resultados que ela virá conseguir podem demorar (e não digo que não estarei vive para ver a revolução, não sou esse tipo de idiota). Mas precisamos ter a seguinte noção: 

“Os comunistas, claro, não têm que inventar lutas especiais. Temos que estar presentes nas lutas reais, por pequenas e limitadas que sejam nos seus objectivos: contra o desemprego, o trabalho precário, o agravamento constante das condições de saúde, habitação, ensino, a sobreexploração e opressão da mulher; nos movimentos contra a impunidade dos capitalistas e a onda mafiosa e corrupta que é hoje a política burguesa; nos protestos contra as expedições militares imperialistas e a montagem do Estado policial...
Sabemos que a revolução só se constrói a partir do movimento real e não a partir de modelos por nós inventados. Fora das situações excepcionais de crise revolucionária, as massas lançam-se na luta para obter pequenas melhorias dentro dos limites da lei e da ordem; só participando nessas lutas podem os comunistas ajudar os colectivos de trabalhadores a percorrer a sua própria experiência, tomar consciência do antagonismo dos seus interesses face aos da burguesia, criar hábitos de organização, ganhar confiança nas suas próprias forças.”
Acção Comunista em Tempo de Maré Baixa
Francisco Martins Rodrigues

Para nós comunistas, não faltarão demandas, não faltarão momentos em que poderemos panfletar nosso jornal (e isso é uma tarefa que demorará alguns anos para se estabelecer completamente) e ganhar a confiança da classe trabalhadora. Teremos o tempo que precisamos para que nosso militantes da juventude agora se insiram futuramente em seus sindicatos permitindo uma melhor inserção nos setores estratégicos. O agora, nesse caso, não está em nossas mãos, nem está a consciência da classe trabalhadora próxima de entender como necessária uma revolução socialista, devemos portanto disputar e tomar para nós a confiança da classe trabalhadora. Formar quadros, estabelecer uma estrutura organizativa e uma linha política orgânica e revolucionária em nosso interior, para que caminhando junto às lutas reais consigamos estar a frente da luta revolucionária quando uma revolta armada e a tomada do poder esteja em nosso horizonte.

E no caso, antes disso, devemos nos atentar e combater em nosso partido todo tipo de deturpação dos princípios revolucionários. Não devemos perder de vista não só quem são nossos inimigos mas também que não haverá outra via para combatê-los que não a via revolucionária. E nesse caso, creio que o seguinte trecho, onde FMR aponta as causas da falha do trabalho dos comunistas, também possa-lhes interessar a ler o texto completo.

Primeira, a concentração preferencial dos esforços, não nas camadas proletárias onde é maior a carga de antagonismo com a sociedade estabelecida, mas nos sectores semiproletários e pequeno-burgueses, mais instruídos, com maiores hábitos de organização, onde é mais fácil conseguir resultados, mas onde, em contrapartida, tudo vai no sentido do reformismo.
Segunda: a tradição muito enraizada no nosso país de que o trabalho proletário se resume às reivindicações económicas e que entrega à pequena burguesia progressista a direcção da luta política. É tempo de compreendermos que a mobilização comunista do proletariado envolve também a luta anti-imperialista, a solidariedade com os imigrantes e o combate ao chauvinismo, a luta para libertar a mulher trabalhadora da sua dupla subjugação, os contactos internacionais, a propaganda anticapitalista, etc.
Terceira: na utilização dos sindicatos, comissões de empresa, associações diversas, esqueceu-se muitas vezes a contradição entre o interesse das bases e a prática do aparelho burocrático, que tende a conciliar com o poder e a ver as acções radicais das massas como um perigo. Foi assim que muitos comunistas que foram para essas organizações com a intenção de “servir o povo” se fizeram reformistas empedernidos.
Quarta: a cedência à miragem de conseguir pelo parlamento a visibilidade e peso político que não se consegue no duro trabalho de mobilização directa das massas. Foi assim que, à medida que a ofensiva da direita destruía as conquistas populares de 74-75, os revolucionários da época transferiram o eixo da sua actividade, do apoio aos sectores mais avançados e aos seus órgãos (comités de greve e ocupação, comissões de trabalhadores, de moradores, cooperativas agrícolas, etc.), para a “batalha parlamentar”.”
Acção Comunista em Tempo de Maré Baixa
Francisco Martins Rodrigues

Preservar o programa revolucionário, avançar em nossas estruturas organizativas internas e de agitação com as massas. Preparar os comunistas para a revolução e ganhar a confiança da classe trabalhadora enquanto não descolamos das lutas reais. Essas devem ser as tarefas des comunistas brasileires! 

I

Toda luta de classes é uma luta política. (Marx).

Uma luta que se limita à conquista de uma nova distribuição dos ganhos econômicos não consiste de uma luta política porque ela não se dirige contra a estrutura social das relações produtivas.

O rompimento com as relações produtivas próprias de cada época e a derrubada do domínio de certa classe social é o resultado de uma luta política longa e geralmente oscilante. A chave para esta questão é a questão do Estado: O problema de “Quem possui o poder?” (Lenin)

A luta do proletariado moderno se manifesta e se generaliza enquanto uma luta política com a formação e atuação do partido de classe. As características específicas desse partido podem ser encontradas na tese a seguir: o completo desenvolvimento do capitalismo industrial e do poder burguês, ambos decorrentes das revoluções liberais e democráticas, não só não elimina o conflito dos interesses de classe, mas aguça o seu desenvolvimento em direção à guerra civil, à luta armada.

Partido Comunista Internacional

DITADURA PROLETÁRIA E PARTIDO DE CLASSE

(1951)

Não esqueçam camaradas, mas a falta de vitórias reais e imediatas da classe trabalhadora não serão resolvidas com a deturpação da linha revolucionária nos partidos comunistas. Se acabarmos priorizando as vitórias econômicas em vez das políticas mesmo que através da validação das instituições burguesas, teremos também abandonado qualquer perspectiva de romper com o capitalismo, abandonado a responsabilidade que temos enquanto revolucionários.

II

O Partido Comunista, definido por esta previsão histórica e por este programa, realiza as seguintes tarefas por todo o tempo que a burguesia se mantiver no poder:

a) Elabora e propaga a teoria do desenvolvimento social, das leis econômicas que hoje caracterizam o atual sistema social e de relações de produção, dos conflitos consequentes destas, do Estado e também da revolução;

b) Garante a unidade e a persistência histórica da organização do proletariado. Unidade não significa o agrupamento material de trabalhadores que devido ao próprio fato da dominação da classe dominante é propício à influência de lideranças políticas e métodos de ação discordantes; significa, ao contrário, a organização internacional de elementos de vanguarda, orientados integralmente pelo programa revolucionário. Persistência significa a reivindicação contínua da corrente dialética que une as posições da crítica e das lutas adotadas pelo movimento proletário durante todas as condições históricas enfrentadas.

c) Prepara de forma adiantada à mobilização e ofensiva da classe ao apropriadamente empregar todos os meios possíveis de propaganda, agitação e ação, em todas as lutas particulares desencadeadas por interesses imediatos. Estas ações culminam na organização no aparato insurrecional e ilegal da organização para a tomada do poder.

Quando as condições gerais, o nível organizacional, político e de solidez do partido de classe chegar a um ponto onde a luta geral pelo poder é finalmente desencadeada, o partido que liderou a classe revolucionária à vitória por meio da guerra social, a lidera também na tarefa fundamental de quebrar e demolir todos os órgãos administrativos e militares que compõem o Estado capitalista. Esta demolição também mira na rede órgãos que – quaisquer forem – pretenderem representar opiniões ou interesses diversos por meio de estruturas de delegação. A classe burguesa deve ser destruída independentemente de ela se apresentar como uma unidade interclassista da maioria dos cidadãos ou como uma ditadura mais ou menos aberta possuidora de um aparato governamental que pretende cumprir uma missão nacional, racial ou popular social; se esta destruição não ocorrer, a revolução será esmagada.

Partido Comunista Internacional

DITADURA PROLETÁRIA E PARTIDO DE CLASSE

(1951)

Saudações comunistas, não abandonemos a luta revolucionária.