'Fora revisionistas! sequer leram o texto de Lênin?' (Felix Bouard)

Acho que não só a China não é socialista agora mas acredito que ela nunca foi, sequer havia uma ditadura do proletariado - o poder estava dividido entre proletariado, campesinato, burguesia e pequena burguesia - isso porque a própria revolução chinesa tinha caráter democrático-nacional.

'Fora revisionistas! sequer leram o texto de Lênin?' (Felix Bouard)
"Não quero fazer dessa tribuna algo muito prolongado, apenas apontar o seguinte: A dicotomia entre NEP e Capitalismo de estado NUNCA foi estabelecido no pensamento leninista, em verdade a NEP foi a resposta que a URSS poderia dar enquanto uma revolução não estourava."

Por Felix Bouard para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, venho por meio desta tribuna responder ao camarada A. K. Fer e sua tribuna sobre a China. Para iniciar a conversa, peço que se atentem ao seguinte texto: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1921/04/21.htm

Tal texto, é aquele citado pelo camarada, se apoiando em supostas posições do Lênin para defender que a China seria um estado socialista. No entanto, pelo que vi o próprio camarada não leu o texto que diz usar de fonte, e se leu, o fez ao avesso. Por quê? Leiam o seguinte trecho:

“O caso ou o exemplo mais simples de como o Poder Soviético dirige desenvolvimento do capitalismo para a via do capitalismo de Estado, como «implanta» o capitalismo de Estado, são as concessões. Agora todos estão de acordo em que as concessões são necessárias, mas nem todos reflectem sobre a importância das concessões. O que são as concessões no sistema soviético, do ponto de vista das estruturas económico-sociais e correlação entre elas? São um acordo, um bloco, uma aliança do poder de Estado soviético, isto é, proletário, com o capitalismo de Estado, contra o elemento pequeno-proprietário (patriarcal e pequeno-burguês). O concessionário é um capitalista. Dirige as coisas à maneira capitalista, com o objectivo de obter lucros, estabelece um acordo com o poder proletário a fim de obter lucros extra, superiores aos habituais, ou de obter um tipo de matérias-primas que doutro modo não poderia conseguir ou que dificilmente poderia conseguir. O Poder Soviético obtém vantagens sob a forma do desenvolvimento das forças produtivas, do aumento imediato, ou a mais breve prazo, da quantidade de produtos. Temos, por exemplo, uma centena de explorações, minas ou florestas. Nós não podemos explorar tudo: não temos máquinas, víveres, meios de transporte suficientes. Pelo mesmo motivo exploramos mal os restantes sectores. Em consequência da má e insuficiente exploração das grandes empresas reforça-se o elemento pequeno-proprietário em todas as suas manifestações: enfraquecimento da economia camponesa vizinha (e depois também de toda a economia camponesa), declínio das suas forças produtivas, diminuição da sua confiança no Poder Soviético, pilhagem e pequena especulação em massa (a mais perigosa), etc. «Implantando» o capitalismo de Estado sob a forma de concessões, o Poder Soviético, reforça a grande produção contra a pequena, a avançada contra a atrasada, a mecanizada contra a manual, aumenta a quantidade de produtos da grande indústria nas suas mãos (a sua quota-parte da produção), reforça as relações económicas reguladas pelo Estado como contrapeso às relações pequeno-burguesas anárquicas. A política das concessões, aplicada com medida e prudência, ajudar-nos-á, sem dúvida, a melhorar rapidamente (até certo grau, não muito elevado) o estado da produção, a situação dos operários e dos camponeses — à custa naturalmente de certos sacrifícios, da entrega aos capitalistas de dezenas e dezenas de milhões de puds de produtos valiosíssimos. A determinação da medida e das condições em que as concessões são vantajosas e não representam perigo para nós depende da correlação de forças e resolve-se pela luta, porque também as concessões representam um aspecto da luta, a continuação da luta de classes sob outra forma, e de modo nenhum a substituição da luta de classes pela paz de classes. Os métodos de luta a aplicar serão definidos pela prática.

O capitalismo de Estado sob a forma de concessões constitui talvez a forma mais simples, nítida, clara, precisamente determinada, em comparação com outras formas do capitalismo de Estado dentro do sistema soviético. Temos aqui um contrato directo, formal, escrito, com o capitalismo mais culto e avançado, o da Europa Ocidental. Conhecemos exactamente as nossas vantagens e as nossas perdas, os nossos direitos e os nossos deveres, conhecemos precisamente o prazo pelo qual fazemos a concessão, conhecemos as condições do resgate antes do prazo, se o contrato prevê o direito de resgate antes do prázo. Pagamos um certo «tributo» ao capitalismo mundial, «resgatamo-nos» dele sob determinados aspectos, obtendo imediatamente em certa medida a consolidação da situação do Poder Soviético e a melhoria das condições de gestão da nossa economia. Toda a dificuldade no que se refere às concessões resume-se a que é preciso pensar e pesar tudo ao concluir o contrato da concessão, e depois saber vigiar o seu cumprimento. Existem aqui indubitavelmente dificuldades, e os erros serão aqui certamente inevitáveis nos primeiros tempos, mas essas dificuldades são mínimas em comparação com os outros problemas da revolução social, particularmente em comparação com as outras formas de desenvolvimento, de admissão e de implantação do capitalismo de Estado.”

Me traz extrema desconfiança ver que o primeiro trecho: “O caso ou o exemplo mais simples de como o Poder Soviético dirige desenvolvimento do capitalismo para a via do capitalismo de Estado, como «implanta» o capitalismo de Estado, são as concessões. Agora todos estão de acordo em que as concessões são necessárias, mas nem todos reflectem sobre a importância das concessões.” foi simplesmente retirado do texto, sim o mesmo trecho em que Lênin define que NEP seria uma movimentação rumo ao Capitalismo de Estado - e não uma oposição a ele como título da tribuna dá a entender:

Aqui pegamos a mentira, toda a argumentação do camarada se baseia nessa ocultação, nessa falsificação do que dizia Lênin. Inclusive é nesse texto que fica claro: as condições econômicas da Rússia não permitiam o estabelecimento de um estado socialista - as forças de produção não estavam suficientemente desenvolvidas, a Burguesia havia se acovardado, cabia aos comunistas tocar as tarefas burguesas através do capitalismo de estado. Havia uma gigante esperança em torno da Alemanha, a Rússia poderia aguentar, mas dependeria de que mais revoluções estourassem no centro do capitalismo. E o mesmo vale para a China, já que a vasta maioria da população em ambos os países não poderia ser definida como proletariado, não haviam indústrias ou trabalhadores da indústria o suficiente para que fosse o proletariado à dirigir a revolução. Isso fica claro inclusive no texto a seguir:

Pois bem, e na Rússia Soviética, depois da tomada do poder pelo proletariado, depois do esmagamento da resistência militar e da sabotagem dos exploradores, não é evidente que se criaram algumas condições do tipo das que podiam ter-se criado há meio século na Inglaterra se ela tivesse então começado a passar pacificamente para o socialismo? A submissão dos capitalistas aos operários na Inglaterra poderia então ter sido assegurada pelas seguintes circunstâncias: 1) o mais completo predomínio dos operários, dos proletários, entre a população devido à ausência de campesinato (nos anos 70 havia na Inglaterra indícios que permitiam esperar êxitos extraordinariamente rápidos do socialismo entre os operários agrícolas), 2) excelente organização do proletariado em sindicatos (a Inglaterra era então o primeiro país do mundo neste sentido); 3) nível cultural relativamente alto do proletariado, educado pelo desenvolvimento secular da liberdade política; 4) o longo hábito dos capitalistas magnificamente organizados da Inglaterra — eram então os capitalistas melhor organizados de todos os países do mundo (hoje essa primazia passou para a Alemanha) — para resolver as questões políticas e económicas por meio de um compromisso. Eis em virtude de que circunstâncias podia então surgir a ideia da possibilidade da submissão pacífica dos capitalistas da Inglaterra aos seus operários.

«No nosso país, essa submissão é assegurada no momento actual por determinadas premissas concretas (triunfo em Outubro e esmagamento, desde Outubro até Fevereiro, da resistência militar e da sabotagem dos capitalistas). No nosso país, em vez do mais completo predomínio dos operários, dos proletários, entre a população e do seu alto nível de organização, o factor da vitória foi o apoio do campesinato pobre e rapidamente arruinado aos proletários. Por último, no nosso país não existe nem um elevado nível cultural nem o hábito dos compromissos. Se se reflectir nestas condições concretas, tornar-se-á claro que podemos e devemos conseguir agora a combinação dos meios de repressão implacável contra os capitalistas incultos, que não aceitam qualquer ‘capitalismo de Estado’, que não concebem qualquer compromisso e continuam a torpedear as medidas soviéticas por meio da especulação, do suborno dos pobres, etc., com os meios do compromisso ou do resgate em relação aos capitalistas cultos, que aceitam o ‘capitalismo de Estado’, que são capazes de o aplicar e que são úteis ao proletariado como organizadores inteligentes e experientes das maiores empresas, que de facto abastecem de produtos dezenas de milhões de pessoas.

Não quero fazer dessa tribuna algo muito prolongado, apenas apontar o seguinte: A dicotomia entre NEP e Capitalismo de estado NUNCA foi estabelecido no pensamento leninista, em verdade a NEP foi a resposta que a URSS poderia dar enquanto uma revolução não estourava. E mesmo que fosse, mesmo que a NEP tivesse sido uma movimentação que rumasse ao estabelecimento do socialismo, sendo ele resultado do desenvolvimento das forças produtivas - quase 1 século já se passou depois disso, e nós não estamos na Rússia ou China momentos depois da revolução. E o próprio camarada ao final do texto já traz um grande indicativo de que não existe tal socialismo chinês, segue: 

“A nossa modernização visa a prosperidade comum de todo o povo. A prosperidade comum é uma necessidade essencial do socialismo com características chinesas e requer um processo histórico de longo prazo. Tomamos sempre a aspiração do povo por uma vida melhor como o ponto de partida e o objetivo final da modernização. Trabalhamos para defender e fomentar a equidade e a justiça sociais, promover a prosperidade comum de todo o povo e evitar resolutamente a polarização entre ricos e pobres.”

Acho que não só a China não é socialista agora mas acredito que ela nunca foi, sequer havia uma ditadura do proletariado - o poder estava dividido entre proletariado, campesinato, burguesia e pequena burguesia - isso porque a própria revolução chinesa tinha caráter democrático-nacional e pôde existir porque a burguesia nacional chinesa tinha perspectiva de lucro quando ao seu lado estava a URSS - 

TEXTO INTERROMPIDO POR QUESTÕES PESSOAIS

(mas vocês pegaram a ideia)